REBIMBA O MALHO

REBIMBA O MALHO

terça-feira, 11 de setembro de 2012

ARTIGO RETIRADO DA REVISTA "DOMINGO" DO JORNAL "CORREIO DA MANHÃ"

ARTIGO RETIRADO DA REVISTA "DOMINGO" DO CORREIO DA MANHÃ

JORNAL RUSSO TRAÇA PERFIL DO "MAIOR PORTUGUÊS" E APONTA-O COMO EXEMPLO

Em tempos de crise Salazar ainda traz saudade?
English. pravda.ru " DURANTE OS SEUS ANOS DE PODER, A ECONOMIA CRESCEU"

A crise portuguesa vista da Rússia tem uma solução: Ditadura. Que é como quem diz, no tempo de Salazar é que era bom! Foi esta a abordagem do tema num artigo com honras de página de abertura terça-feira no site do Pravda. Aí se lembra que Salazar foi em 2007 eleito o maior português de sempre, "derrotando o comunista Álvaro Cunhal [sic] com grande vantagem". E a cronista, Liuba Lul'ko, refere que "durante os seus 40 anos de poder a economia de Portugal cresceu: O PIB no início dos anos 70 era de 7% ao ano". E pergunta: "Por que razão a economia portuguesa não está agora nas melhores condições?" Difícil responder, dir-se-ia, mas Lul'ko arrisca: "Talvez o segredo resida nas qualidades pessoais dos políticos". E que qualidade são essas? "Antes de mais, "não trabalhar para os americanos ou para os alemães é importante". E o elogio, feito "sem negar os horrores de um regime totalitário", termina em beleza: " Sei o que quero e para onde vou", disse Salazar quando se tornou ministro das Finanças em 1928. Isso não é algo que pudesse dizer-se dos políticos portugueses modernos".

CONDE DA GARDUNHA

terça-feira, 4 de setembro de 2012

CINZAS


CINZAS
ARTIGO DE FERNANDO SERRA PUBLICADO NO JORNAL “ POVO DA BEIRA"

Quanto mais flagelado um país, maiores as torturas infligidas. Duas horas da tarde. Trinta e nove graus centígrados. Agosto. Céu muito azul, mas só por cima. A linha do horizonte expande uma névoa que a ilusão atira para manhãs imersas em ondas de sal. Mas o mar fica muito longe. Trezentos quilómetros reduzem-nos à realidade das sufocações e da prostração. Progressivamente o céu azul deixa de o ser, e a névoa, cada vez mais densa, difunde-se e o sol que era há pouco luminoso e límpido é agora marralheiro e turvo.
Subitamente acordamos da virtualidade e afundamo-nos no desespero do realismo fatal. Na crista da serra perfilam-se colunas espessas de fumo negro. Não tarda que os sentidos reajam ao cheiro insidioso a natureza queimada. O ruído de uma máquina voadora aguça presságios. Leva suspenso um gigantesco balde com água como a cegonha transporta o bebé das nossas ilusões pueris. Mas aqui, em lugar de nascer, mata-se. Os sanguinários da floresta rebentam todos os anos em cogumelos cada vez mais venenosos e perversos. São eles os protagonistas da vergonha, são eles os algozes de um país cada vez mais diluído na aridez e na inércia da resignação.
Já se ouve o grito sufocante das sirenes que, não tarda, roçarão os nossos sentidos em promessas de salvamento e solidariedade. Trazem homens pendurados, armados de machados que tentarão desenterrar refrigérios para infernos que seres menores atearam. Ao ruído da sua passagem eleva-se a vozearia rude da sueca na esplanada da tasca mosqueirenta e lúgubre.
Cubro com a manilha. E já ganhámos, parceiro! Mais uma rodada, ó Manecas!
Onde é que é isto hoje? Em Casegas? Porra, que é todos os anos a mesma merda…!
É aquele a embaralhar.
Filhos da p…, que mergulhavam todos o focinho na fogueira. Ah, carago, se eu mandasse…
É aquele a dar.
Trunfo é paus.
Os que já arderam, ou os que vão arder a seguir?
Deixa-te de porras e joga, que já ganhámos outra vez…
Não brinques com coisas sérias, Tomás.
Não brinques? O que é que falta queimar? Onde estão os gajos que mandam? Agarraram o “Bexigas Doidas”, o ano passado, e já aí anda outra vez, de isqueiro no bolso. E todos sabemos que não fuma. Sabes que mais? Porque é que não acabam de vez com esta palhaçada? Cá por mim, pode arder o resto, já hoje. Pinhais e quintas para defender é coisa que nunca tive. Esses que se preocupem…
Quando o cepticismo e a indiferença passam ao lado da tragédia, e o instinto de reagir é embotado pela letargia do discernimento, nada mais conta que a acomodação e a placidez. Tudo o resto são reminiscências atávicas consolidadas na iliteracia cultural de um povo atolado em depressões recorrentes.
Agora é uma ambulância que aparece e desaparece na vertigem de fugas e prioridades. Sumiu-se na última curva da estrada que as alternativas governamentais farão derivar para aceiros envergonhados, ladeados de lixo florestal por limpar.
E a natureza arde. A cumprir ciclicamente um mandato de morte anunciado. Mas eles estão lá. Farão o que puderem. Homens e mulheres na defesa, quantas vezes, de quem os maltrata. O cego mais cego é o que não quer ver. Meu Deus, e tanto cego por aí!
Sufoca-se. O vento auxiliador da desgraça arrasta consigo vagas de fumo cada vez mais negras e opacas. Cheira a fogueira de São João calendarizado não há muito. O dia que amanheceu luminoso, prenunciador de sossegos e calmarias, alguém o transformou num inferno de sobressaltos e angústias por resolver.
Alto de Silvares. As janelas abertas do automóvel deixam cair sobre o papel partículas de uma natureza a agonizar. Quisera juntá-las e devolve-las à consciência delinquente dos psicopatas que se movimentam impunes a uma justiça inerte e bafienta. A impunidade é a minha revolta e a abstracção a minha incapacidade de agir. Sendo assim, rodo a chave e arranco.
A noite chegou mais cedo ao acrescentar os seus negrumes ao céu de Inglaterra que se abateu, espesso e parado. Cisternas de bombeiros percorrem barragens, charcas e piscinas na busca autorizada do único elemento da natureza capaz de neutralizar com eficácia a fúria de um outro, seu irmão, aquele que mais depressa tudo reduz a átomos o fogo. É uma luta fratricida, mas decretada por emergência que a aflição impõe.
Duas da madrugada. As labaredas que o dia esconde são as mesmas que de noite mostram cristas aterradoras, cada vez mais próximas do que ainda está por arder. O lugar é comum, mas o cenário é, de facto, dantesco e a luta, injustamente desigual. Mas eles continuam lá. Desistir não é o lema. “Vida por vida”. Até à exaustão. Até caírem para o lado.
Ninguém dorme. Como dormir com o inferno à porta? Estendem-se mangueiras e molham-se quintais. A lua, quase cheia, pouco ajuda, incapaz de romper a impenetrável massa de fumo. As forças minguam, tal com o vento parece ter amainado. Milagre? Pode ser. O turbilhão de chamas recrudesceu. Como a fera do circo a recuar, cobarde, ao som do chicote do domador.
Daqui a pouco é novo dia. Amanhã romperá vestida de cinzas poisadas em chãos fumegantes. Os primeiros alvores trazem recados pungentes de dor e desolação. A tragédia abatera-se sobre quem toda a vida fora abnegado e justo. Cortes e pardieiros irremediavelmente perdidos. Porcos a engordar até ao ano que vem, complemento bom de uma subsistência magra, jazem carbonizados. Hortas e vinhedos que, por caprichos e necessidades eram o orgulho de quem com sacrifício os amanhava e amava, o lume os devastaram completamente. Cerejeiras e pessegueiros onde melros e toutinegras ainda ontem trinavam hinos à natureza, morreram (de pé!), de cotos apontados a clamar justiça. De duas casas de habitação, restaram as paredes, e num quintal a carcaça de um carro velho e os aros das rodas de uma carroça antiga. A casa de amarelo pertencia a um modesto emigrante a compor a vida em França, porque a terra que o viu nascer tudo lhe negou até aos trinta e cinco anos. Não resistiu à derrocada emocional. Cometeu o suicídio, soube-se depois. Num bilhete que deixou escrito pedia para ser enterrado no país que o acolheu. Nem na morte quis regressar.
Não passaram muitas horas para que os jornais e as televisões abrissem com a fotografia de um jovem de vinte e nove anos de idade. A farda de bombeiro e o olhar intrépido fixado em auroras prometidas identificavam uma vida que acabava de soçobrar à insanidade de espécimenes que de humanos têm apenas a forma anatómica e nenhuma lei teve ainda a coragem de extinguir de vez.
Em tudo quanto foi terra de gasómetro e silicose a atmosfera continua de cinzas e o sol, vestido de luto. As mulheres redobram o preto e choram em grupos de corvos. Os homens, acocorados sob um castanheiro velho, de ouriços a abrir, gastam cigarros em baforadas de raivas e impotências por resolver há muitos, muitos anos. Os cães, seres extraordinários que tudo pressentem e entendem competem em latidos lúgubres com o ronco de um helicóptero em manobras de reconhecimento.
Por entre silêncios e diálogos surdos a tarde avança, pesada. Com ela recuam sonhos e projectos para longes sem regressos. Os velhos já nada pedem à vida, e os novos são aparições acidentais e fugidias.
Ao cair da noite, suspensa das traves de uma adega escura onde repousa o vinho acidulado e fresco uma corda grossa balanceava o corpo ainda quente de um homem de cabelo grisalho e barba por desfazer.
Ontem, à sueca, ele não tinha herdades nem pinhais para guardar. Agora, de olhos esbugalhados e vidrados no vazio, embala um filho morto, muito vivo além, porque apenas transpôs o território onde campeia a imperfeição humana.
Dos dois só a memória dele perdurará.

Fernando Serra



PORTUGAL ESTÁ EM CHAMAS. TODOS OS ANOS ARDE MAIS UM POUCO. SOLUÇÕES PARA INVERTER A SITUAÇÃO NÃO SÃO TOMADAS A SÉRIO. CULPADOS? SIM HÁ-OS E MUITOS. PUNIÇÕES? ESSAS FAZEM-NOS CORAR DE VERGONHA. E, POR ESSA VERGONHA QUE NOS RUBORIZA PELA SUA INEFICÁCIA LÁ VAI... REBIMBA O MALHO

CONDE DA GARDUNHA