REBIMBA O MALHO

REBIMBA O MALHO

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

ANO VELHO VS. ANO NOVO

Ano Velho vs. Ano Novo
 O dia está feio: frio, nevoeiro e com chuviscos. O Dezembro reboca o ano de 2013, expirando ambos com má catadura e a contra gosto.

 Neste momento a casa está vazia. Almoço sozinho por opção. Sentado ao meu lado, o Ricky meu companheiro, espera uma guloseima extra ração que contra a minha vontade não lhe dou, por imposição do veterinário.

 No café onde vou todas as manhãs, tive uma companhia cuja amizade é recente, mas tenho-a como boa. Conversámos sobre diversos temas desde livros até à música. É uma pessoa interessada e que me vai explorando do que pouco que sei, mas que transmito com todo o prazer.

 Brindámos ao novo ano com um Porto. Brindei por delicadeza já que não sou de dar vivas ao que seja, por morte do que for.

Parece que todos estão desejosos que o ano velho se vá; faz-me lembrar dos que também assim pensam em relação aos seus parentes idosos.

 Neste ano, todos sabemos como o passámos, para o que vem é uma incógnita, não para os astrólogos e afins que esses têm o dom divinatório. Quantos dos que querem ver-se livre deste que agoniza, chegarão a dar vivas ao 2015? Eu, como um ser diferente dos demais, não me regozijo e por isso não festejo. Morrer o ano é também morrermos um pouco.

Nesta noite, a última do ano, a alegria vai extravasar – alguma, quiçá, fingida, mas importa enterrar o defunto e festejar o nado. As bebidas entornam-se goelas abaixo sem conta nem medida, empanturram-se até aos gorgomilos, os gritos de boas vindas estridem, todos os sítios estão esgotados e, alguns a preços exorbitantes e eu ser canhestro, interrogo-me por onde anda a tão propalada crise que de tanto se falar dela nos põe depressivos.

A grande maioria não estará de acordo mas, quando comecei esta crónica, não foi com o intuito de granjear aplausos e vivórios, pois sei que não vai ao encontro das opiniões de quem, por hábito, nesta altura, faz os seus festejos, foi somente, para expressar a minha opinião que não terá eco e que vale por si somente.




Conde da Gardunha

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

AS VICISSITUDES DO CATOLICISMO


AS VICISSITUDES DO CATOLICISMO

Como católico, não posso nem devo ficar indiferente aos constantes escândalos provocados pelos chamados ministros de Deus. Com demasiada frequência, a Comunicação Social dá-nos conta dos delitos que se vão cometendo e todos de cariz sexual. São crimes que se adicionam a outros que a igreja vem acumulando através dos séculos. Lembremo-nos das Cruzadas e da Inquisição que até foi canonizada e por isso lhe chamaram santa ―a Santa Inquisição.

O catolicismo está repleto de crimes e é com mágoa que o digo. Quantas vidas ceifadas, quantos martírios infligidos a povos com outras crenças? Os responsáveis pela evangelização não se limitavam a divulgar a palavra de Cristo que devia ser com bonomia, com paciência e convicção conforme os exemplos que o Redentor nos deixou, sem recorrer a métodos completamente antíteses aos que o Salvador ensinou.

Retrocedendo aos séculos VIII e IX era prática comum as forças castrenses entrarem nas povoações espalhando o terror matando e mutilando os não convertidos a Roma, abrindo assim, caminho aos que vinham na retaguarda ―o clero ― que, perante o resto do povo, aterrado, os obrigava pelo medo a aceitar a nova doutrina.

Seria esta a maneira mais correcta de pregar a Palavra? Seria este o procedimento mais condicente, para uma conversão em plena razão? Não deviam deixar que cada qual escolhesse a religião em que mais acreditasse e onde se sentisse melhor?

Depois, já quase na contemporaneidade, apareceu a famigerada, a vergonhosa, a nódoa negra do catolicismo: a verduga "Santa Inquisição". Se houvesse o Inferno tão propalado pela Igreja desde há séculos com que aterrorizam os fiéis com a ameaça de as almas serem consumidas pelo fogo― sem no entanto se consumirem―e que são acicatadas por anjos demoníacos. Se assim fosse, eles os do “santo” Oficio, deviam por lá cirandar principalmente a alma do sicário padre Torquemada, o mais acérrimo defensor desta barbárie. Outros igualmente, os que tinham responsabilidades e que podiam refrear essa crueldade. Toda esta corja por lá deve andar a carpir todos os males que infligiram à humanidade.

A Inquisição foi implantada definitivamente em Portugal no ano de 1536 no pontificado de Paulo III que detinha amplos poderes e no ano 1540 houve o primeiro auto-de-fé. Contam-se por centenas de milhares de pessoas vítimas das torturas e mortas nos países onde as fogueiras se erguiam.

Mas, o assunto que me levou hoje a escrever esta crónica, não é propriamente fazer a história da Inquisição, mas sobre o celibato. Todos sabemos que a pedofilia grassa na igreja católica. Não confundamos com homosexualidade. Não venham dizer que é a mesma coisa, são procedimentos distintos. Fiquei com a boca em "Ó" de pasmo quando ouvi um alto dignitário da igreja católica misturar e meter tudo no mesmo saco. Quando nos sentimos comprometidos, inventamos as coisas mais bizarras.

A pedofilia, segundo me parece e, é somente uma opinião, podia, porventura, não ser erradicada, mas com certeza, seria em muito atenuada, com o fim do celibato do clero. O celibato andou a ser discutido em vários Concílios. Foi no entanto instituído definitivamente em 1563 no Concílio de Trento convocado pelo papa Paulo III Porém, se a Igreja pretende seguir o exemplo dos apóstolos, cabe aqui perguntar: - Não seriam os apóstolos casados? Não teriam eles uma família? Pedro não era casado? Não foram casados os papas Adriano II e Honório IV? Então por que não outro Cocílio que revogue o disposto no anterior anulando o celibato? Aquando do Concílio Vaticano II viu-se a debandada de padres renunciando os seus votos e casarem.

Quer a Igreja conservar as paróquias em vez de, como já li, eliminar umas quantas? A solução para colmatar o défice de prelados é instituir o casamento; tão simples como isto.

É preferível que leigos de moral duvidosa em muitos casos e sem preparação substituam os verdadeiros ministros de Deus? É por tudo isto que não é para admirar que as cerimónias religiosas tenham cada vez menos participantes.

Gostaria que um dia fosse escolhido um Papa, não idoso, e que tivesse a coragem de abrir as janelas e portas do Vaticano, para que os ares bafientos dessem lugar a outros mais puros c/ cheiros de modernidade e que todos cantassem aleluias porque só assim a igreja terá a força de que necessita e evitar que vá mirrando evitando que milhares de crentes desertem, para outras religiões.
E por todas as situações condenáveis ergo os braços e REBIMBA O MALHO



Conde da Gardunha

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

A MISSA DO GALO

A MISSA DO GALO

A Proveniência do nome Missa do Galo, não se sabe ao certo de onde vem. Há opiniões que divergem embora convergindo num ponto: O galináceo está sempre presente em todas as teses.
Existe uma lenda que nos conta que numa véspera de Natal, o galo cantou à meia-noite anunciando o nascimento do Menino Jesus. Outra fonte diz-nos que a missa terminava bastante tarde e os fieis quando regressavam a casa, os galos já cantavam.
Outros dizem que o nome teve origem por Jesus ser considerado o sol nascente e que nos visitou para dar luz à escuridão. Por isso é que em muitas igrejas têm ainda um galo nos campanários representado a luz Divina. O galo caracteriza o nascer do sol e, o seu canto simboliza o amanhecer ou a luz. Sabe-se todavia, que esta missa celebrou-se pela primeira vez no ano 300.

Gostei sempre de assistir a esta missa talvez pela hora que é celebrada ou talvez pela magia daquela noite maior.
A Missa do Galo era, naquele tempo, fértil em peripécias, tornava-se mesmo difícil conter o riso por serem tão caricatas. Não se tratava de cenas maldosas nem carecidas de respeito. Se aconteciam, a culpa era da alegria transbordando dos corações estimulada porventura pela bebida ingerida à volta da fogueira.
Do que estava sempre à espera, era dos cânticos em louvor ao Menino. Enquanto as fieis devotas chegavam ao fim do cântico no tempo devido, os fiéis devotos iam só pelo meio. O hino saía numa cadência lenta e arrastado embalado quiçá em hálitos etílicos. Os outros participantes esperavam pacientemente que a última voz penosamente chegasse ao fim com reprovação estampada na cara do prior.
O que de facto tinha maior relevância era que todos louvavam e festejavam o nascimento de Jesus, fosse em compasso binário ou quaternário.
Nesta missa, é hábito dar a beijar a imagem do Menino e, eu, menino de Capela-Mor, ia observando todo o cerimonial. Os fiéis subiam pela coxia central e desciam pelas laterais. Enquanto uns beijavam sem tocar na imagem, outras porém, principalmente os mais idosos que de lábios arrepanhados beijavam ali mesmo de chapa aquele corpinho róseo que era um regalo. Beijo molhado e sonoro como a querer mostrar ao Redentor o quanto gostavam Dele.
Depois do “IDE EM PAZ E QUE O SENHOR VOS ACOMPANHE” que na altura era dito em latim, os homens agrupavam-se de novo em volta do brasido até começarem a debandar para as suas casas onde para alguns, os esperava a ceia. A Ceia de Natal ou Consoada. Importava fazer jus aos pitéus tradicionais desta festa que as mulheres incansáveis tinham confeccionado.
Outros havia, os menos afortunados, que quando ultrapassavam a porta da sua casa metiam-se na cama entre lençóis húmidos e frios. Em vez da consoada uma lágrima escorria pelo rosto.


Conde da Gardunha

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

O MADEIRO

O MADEIRO



O   Madeiro ou Tronco também assim chamado era trazido pelo rapazio do lugar num carro puxado por uma junta de bovídeos, ao som da
concertina que acompanhavam com cânticos e, colocado no adro da igreja.
Contudo, com a evolução dos tempos os simpáticos e pachorrentos animais deram lugar ao trator com atrelado que embora chegue mais rápido, ficou com menos encanto.
A tradição manda que o Madeiro seja roubado e, se o dono tiver alguma desconfiança, facilite a missão dos rapazes fingindo nada saber, pois essa madeira servirá para aquecer aquela noite de Natal.
Por tradição, será uma noite fria de bater o dente e, o ambiente será perfeito se farrapos de neve caírem do espaço. Deus dê muita saúde e vida para quem já teve esse privilégio.
Muito antes da meia-noite, já as pessoas começam a abandonar os seus lares. Vêm encapotadas com as golas bem puxadas para cima e, as boinas ou chapéus, afundados até às orelhas. As mãos enregeladas e, se não estão no fundo dos bolsos, friccionam-se uma contra a outra ou bafejam-se. Os narizes por via de regra estão vermelhos fustigados pelo ar gélido vindo da serra coberta por manto branco. As fungadelas sucedem-se recolhendo o pingo que teima em aparecer até que por fim acaba nas costas das mãos.
O povo conforme vai aparecendo vai ficando em redor do madeiro já esbraseado. O adro está enrubescido pelas línguas de fogo que numa dança voluptuosa, vão lambendo como a acariciar e, aos poucos, vão tomando posse daqueles troncos.
Enquanto os olhares se prendem naquele bailar das chamas acompanhadas de vez em quando de miríades de faúlhas, esticam-se os braços e aquecem-se as mãos ao mesmo tempo que batem os pés no lajedo ou no chão térreo.
A garrafa da aguardente que alguém levou, anda de mão em mão, melhor dito, de boca em boca e, no final de cada emborcação, soltam um aaaahhhhh! que ela é da rija.
Os corpos vão aquecendo não só por fora mas também por dentro. As conversas animam-se, a risada é espontânea e a alegria transparece e não tarda que uma voz se solte bem alto para cantar loas ao Deus Menino que imediatamente é seguido pelos demais.

Ó meu Menino Jesus,
Ó meu Menino tão belo,
Logo vieste nascer,
Na noite do caramelo.

Alegrem-se os céus e a terra,
Cantemos com alegria,
Já nasceu o Deus Menino
Filho da Virgem Maria.

Entretanto a meia-noite chegou e o sino da igreja faz o convite para assistirem à Santa Missa, a Missa do Galo que é participada pela maioria dos presentes.




CONDE DA GARDUNHA

O TUDO E O POUCO DO NATAL

O TUDO E O POUCO DO NATAL 


POESIA DE A. MAGALHÃES

Aqui, olhando bem, o pouco é tudo
E o tudo que atrai é sempre pouco:
Mistério que me deixa sempre mudo,
Mistério que me deixa quase louco.

 Se me chega o pouco tenho tudo;
Se me sobeja tudo, o tudo é pouco.
Mas a gritar por tudo ando rouco
Sem tino, cego, um pouco tartamudo.

 O tudo que procuro está no pouco,
Já que no pouco pode estar o tudo.
Às vezes, o maior é o miúdo
E o mais inchado é apenas ôco.

 Sempre se pode ser feliz com pouco,
Já que aqui, o tudo não é tudo.
Essa a razão por que anda tudo louco
Atrás de tudo que é só reboco.

Ó frustrados de todos e de tudo,
Ensinai-me a sair deste cabouco,
Pois se souber no pouco pôr o tudo,
Serei então feliz com o meu pouco.

Em Deus Menino ‘stão o tudo e o pouco
Mas no seu pouco é que temos tudo.
O engano virá do falso troco,
De não chegar ao tudo pelo pouco.

Este Menino é tudo no seu pouco
E só nele se pode achar o tudo.
Se assim não for, tudo o mais é louco.
Ó meu Menino, Menino tão pouco!

Tão pouco! Mas para nós sois o tudo.                           

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

AO CALOR DA LAREIRA

AO CALOR DA LAREIRA

Homem que hoje recordo com saudade era um ser simples, bom e com sua filosofia.
O Ti Manel Pilatos era querido por todos daquela localidade e nunca o vi de ânimo exaltado apesar, de por vezes, ter sido alvo de algumas tiranias feitas pelo rapazio inconsequente e brincalhão.

Era uma pessoa humilde de sorriso fácil desenhado numa cara de bonacheirão onde despontava uma barba já branca que só era rapada no fim-de-semana. Naquele tempo, como um escudo e cinquenta centavos (1$50), pesava no orçamento daqueles que tinham fracos recursos e, era a maioria, só nos Sábados, é que se davam ao luxo de passarem pela cadeira do mestre Ti Zé Manteigas para a respectiva escanhoadela.O Ti Manel Pilatos segundo creio, chegou a trabalhar dentro da mina mas, só o conheci como varredor das ruas do lugar. Ignoro também a categoria que tinha, sequer se chegou a ser encarregado, como o era o Ti Prata.
Porém, o motivo principal desta crónica, foi mais para contar um episódio protagonizado por este homem e que presenciei.
Numa longínqua manhã de Primavera, estava o meu irmão alcandorado num banco, à janela da porta da cozinha a observar a lida dos varredores que com as suas vassouras feitas de galhos secos e, com o cesto asado de chapa, iam recolhendo o lixo que o vazavam para o carro de mão. Nisto, aparece o Ti Pilatos. Trazia como sempre a sua boina preta e, como hábito, já sem o remate final situado no cocuruto; estava  passajado sabe-se lá por quem, já que nunca lhe conhecera mulher de contracto.
Parou em frente daquela criança e disse com ar risonho: - mas que menino tão bonito!  Não se conteve: chegando-se mais, pespegou-lhe um beijo bem repenicado em cada face.
Fiquei contente com aquele gesto espontâneo e, principalmente, por se tratar do meu irmão. A minha mãe sorrindo disse-me: - sabes, quem meus filhos beija, minha boca adoça.



BEM AVENTURADOS OS PUROS DE CORAÇÃO PORQUE VERÃO A DEUS

CONDE DA GARDUNHA

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

TYLDE E THOR


TYLDE E THOR
Naquele dia do mês oitavo, o sol na sua esplendidez disparava os seus raios, para mortificação de todo o ser vivente.
Pelo meio da tarde, Tylde e os seus mais próximos, chegaram ao monte da Uña vindos não se sabe de onde.
Vinha afogueada e sedenta e, sem demora, resolveu ir banhar-se num lago delimitado pelas muralhas do Templo. Este erguia-se e aninhava-se harmoniosamente, junto ao mais arborizado monte da Uña. O templo era guardado ciosamente pelos sacerdotes Uytas que tinham também por missão além de tratar das terras envolventes, prestar bons serviços à comunidade. Detentores do saber, instruíam aqueles que os procuravam não olhando à condição social. Todos eram tratados de igual forma sendo contudo, premiados os mais aplicados no estudo.
Nesta estória entra um outro personagem de seu nome Thor que nunca ascendera a um escalão superior na hierarquia pela falta de sapiência. Thor era forte, bem-parecido e galante o que lhe valia a admiração e os favores das mulheres.
Sigamos Thor que, atento, não lhe passou despercebida a intenção de Tylde. Cauteloso como convinha, afastou-se deixando as pessoas entretidas com conversas e afazeres. Com vigorosas pernadas, facilmente venceu uma escadaria granítica seguida de uma não longa ladeira. Acobertou-se com as paredes e a densa vegetação que ladeavam o lago. Por entre esta, abriu com alguma dificuldade uma vigia que lhe ofereceu uma panorâmica do lençol de água.
Como adivinhava, Tylde, a curta distância, banhava-se voluptuosamente; maravilha das maravilhas. O coração de Thor disparou como corcel acicatado. Elevou os olhos aos deuses e agradeceu aquela ventura. Ficou estático; o tempo para ele parou. Não desfitava aquelas formas que ora emergiam ora desapareciam de seguida, só permitindo entrever para seu suplício. Mas, quem porfia… mata caça.
Apaziguado o calor que a atormentava, Tylde ergueu-se expondo ao olhar libidinoso de Thor o seu corpo na máxima beleza e pujança.
Era bela! O rosto era perfeito e sereno, a boca sensual e bem desenhada e, sobranceiro, um olhar transmissor de paz, de serenidade, embora quem nele bem atentasse, descobriria lampejos de alguma malícia, de alguma concupiscência. Era meã de estatura, pernas e ancas torneadas, barriga lisa, sem sinais de ter sido alguma vez fecundada, cintura modelada, delicada e flexível como um junco, num orgulho esbelto qual rosa mística de formosura onde um sorriso esvoaçava candidamente num reflexo de oculta ternura. Os seios tonificados e aureolados a sépia, com os bicos enristados. Parecia até que descia do acrotério, da áurea gloriosa dos templos dos pedestais das estátuas a fim de consagrar a vida e o amor.
Tylde, para alcançar as suas vestes, aproximou-se num andar coleante do sítio onde Thor estava de tocaia. No momento próprio e, com ânsias de desejo, estendeu o braço possante, puxando a si, aquele corpo belo e desnudo de fazer inveja a uma qualquer Afrodite.
A surpresa pareceu não ter sido muito vincada. Tylde resiste, mas não com muita convicção; parecia que já esperava os movimentos escusos daquele homem atraente e possante.
Fitou-o com seus olhos rasgados e sedutores, seus lábios túmidos e sensuais de bacante entreabriram-se num meio sorriso e anichou-se no peito daquele homem sedutor e possante.
Apesar da sua excitação, Thor procedeu como se nas suas mãos tivesse a flor mais rara, a flor mais delicada.
Tomo-a nos braços e levou-a para um sítio recôndito. Numa cama feita de folhame, depositou gentilmente a sua preciosa carga. Colheu flores campestres e derramou as pétalas sobre aquele corpo de epiderme morena e voluptuosa. Do ar, diluiu-se radiosa poalha de oiro que cúmplice o deus maior do amor, espargia abundantemente.
Tylde cônscia da sua nudez de açucena rutilante, ruboresceu, fremiu e sorriu com uns lábios túmidos e sensuais de bacante; foi o suficiente para chamejar o que estava latente: Thor cobriu com o seu o corpo daquela que no momento era o que mais desejava. Ela recebeu-o enlaçando-o e as bocas uniram-se. O que demorou algum tempo na conquista consumou-se em poucos minutos. Ficaram os corpos e os sentidos pazeados.
Não houve promessas nem juras, ambos tinham a consciência que aquela união se realizou por impulso do desejo e que entre eles, o amor seria inconsequente embora na memória de cada um, estes momentos vividos com intensidade, para sempre ficaram gravados. 
Thilde, mergulhou no sono, bela na sua nudez já saciada, rosto vergado, pálpebras cerradas, tronco que se enroscava, mostrava suas formas pujantes, de cujos seios robustos dir-se-ia jorrar vias lácteas resplandecentes.
Os duendes da floresta tangiam múltiplas e pequenas campainhas. Os lábios de ambos descerraram-se lentamente desenhando um sorriso de bem-aventurados.
                                                                                                           
CONDE DA GARDUNHA



domingo, 3 de novembro de 2013

SOBRE LIVROS E SEUS AUTORES ( II )

SOBRE LIVROS E SEUS AUTORES ( II )

Há escritores e poetas com uma vasta obra que não são tão reconhecidos e amados como alguns que publicaram um só livro. E, muito justamente, os seus nomes constam na História da Literatura Portuguesa. Foram pessoas geniosas que infelizmente vão caindo no esquecimento de alguns e desconhecidos por muitos.
É pois, sobre algumas destas figuras ilustres que me debruçarei.
ANTÓNIO NOBRE (1867─1900). Publicou o livro com o título “SÓ” declarou o autor: ─ É o Livro mais triste que há em Portugal. Para quem o leu recordar-se-á dos poemas que se referem ao carpinteiro a quem vai encomendar o seu caixão e noutro poema a referência que faz quando fala com o coveiro. Nomeou estas personagens, porque sabia que a doença, não o deixaria viver por muito tempo. Morreu aos trinta e dois anos com tuberculose.

Adeus! Eu parto, mas volto, breve,
À tua casa que deixei lá!
Leva-me o Outono (não tarda a neve
No meu regresso, que sol fará?
                                         
SILVA GAIO (1830─1870) foi médico e professor na Universidade de Coimbra. A sua escrita mostra influências de Alexandre Herculano e Camilo Castelo Branco.
No seu livro “Mário”, Silva Gaio romanceou a época das lutas entre liberais e absolutistas ao estilo do romantismo.

... Os velhos falam do seu tempo; da regada do Morgado que o José
da Catarina traz de renda; e do bois a ganho, e dos "trabutos", e têm língua ponteira...!
                         
CAMILO PESSANHA  (1867─1926) foi considerado o expoente máximo do simbolismo em língua portuguesa. Licenciou-se em Direito tendo sido Procurador Régio e advogado.
Vai para Macau em 1894, foi professor no Liceu e em 1900 nomeado Conservador
do Registo Predial.   Publica em revistas e jornais mas, foi só em 1920 que publica o seu único livro: Clepsidra.                                                    
Camilo Pessanha é um dos poetas mais importantes da língua portuguesa. Morre devido ao abuso do ópio.

Ó minha pobre mãe!... Não te ergas mais da cova.
Olha a noite, olha o vento. Em ruína a casa nova...
Dos meus ossos o lume a extinguir-se breve.

Não venhas mais ao lar. não vagabundes mais,
Alma da minha mãe... Não andes mais à neve,
De noite a mendigar às portas dos casais.

CESÁRIO VERDE (1855 ─ 1886) foi o precussor da poesia que seria feita em Portugal no século XX. Frequentou o curso de letras abandonando pouco tempo depois.                                    
O único livro publicado pelo poeta tem por título: O Livro de Cesário Verde
Tal como o irmão e a irmã, também ele morreu de tuberculose.

E dizia-lhe então, de olhos enxutos:
- "Tu pareces nascida da rajada,
"Tens despeitos raivosos, resolutos:

"Chora, chora, mulher arrenegada;
"Lagrimeja por esses aquedutos...
-"Quero um banho tomar de água salgada
.

SOARES DE PASSOS (1826-1860) foi um poeta, expoente máximo do Ultra-Romantismo em Portugal. Depois de uma passagem pelo Tribunal da Relação do Porto, resolveu dedicar-se exclusivamente à literatura.
Alexandre Herculano considerou Soares de Passos como “o primeiro poeta lírico português desse século (XIX).
Este poeta também publicou somente um livro com o título Poesias. Do seu livro, a poesia mais conhecida talvez seja “O Noivado do Sepulcro “que sei estar musicada.
Morre de tuberculose, a doença que varreu todo o século XIX e grande parte do século XX.
  
Vai alta a lua, na mansão da morte
Já meia-noite com vagar soou;
Que paz tranquila; dos vaivéns da sorte
Só tem descanso quem ali baixou.                                                                      

Ficam aqui alguns exemplos de homens das letras que nos mostram que por vezes não é por se produzir muito que a obra tem mais projecção. Com arte e inspiração publicando um só livro, é o bastante para ficarem nos anais da literatura.
Quem já conheça e tenha lido estes autores releiam e os que não conhecem… Recomendo!
 


CONDE DA GARDUNHA

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

EXUMAÇÃO

EXUMAÇÃO

Uma manhã de Agosto. O sol, já dardejava os seus raios. Previa-se um dia de suar as estopinhas. No cemitério onde estava, procurei a sombra esguia de um cipreste  Por companhia o coveiro, alto, seco de carnes, abria uma cova. Conheço-o de há muito e, lembrei-me de António Nobre, que sabendo-se condenado, fez um pedido àquele que o acomodaria na sua última morada.
Continuava a tirar a terra às pazadas com movimentos certos e contínuos.
─ Vou levantar as ossadas do que está aqui. Por engano foi enterrado numa cova que não era dele e, o dono legítimo pois a comprara, morreu esta noite, agora a família reclama-a. ─ Justificou-se.
Falei com os meus botões: até na morte há despejos, só que neste caso o despejo era de despojos.
O coveiro ia descendo à medida que o buraco ia ficando mais fundo. Por fim, do sítio onde eu estava, só via a terra atirada pelo ar.
─ Já apareceu - Exclamou!
Movido por uma curiosidade mórbida, deixei a sombra e abeirei-me do coval. O esqueleto estava ainda completo, salvo o crânio que  estava de lado. Tudo o que vi estava limpo de carnes e de preconceitos. Disse para os meus botões: Eis  o futuro de todo o vivente.
- Lá vai a bolinha disse o coveiro num tom de quem está habituado há muito a lidar com os restos dos que partiram.
A bolinha era a caveira que rolou para bem perto de mim o que me deixou deveras impressionado. Tinha ainda   ligaduras laças a envolve-la, porventura devido a alguma intervenção cirúrgica. Parecia que me olhava com seus olhos vazios. Os maxilares cerrados dava a sensação de riso asssacanado escorrido por entre dentes grandes e ferruginosos. Riso de escárnio quem sabe apodando  de puta à morte por o ter vencido, ou de puta à vida por lhe ter sido madrasta.
Saí daquele campo do silêncio, abatido, não só pela  cena que tinha assistido mas, também por por aquele sol que estava inclemente. A minha cabeça entrou em turbilhão  com os pensamentos mais díspares.
O que deveria ter sido e no que se tornou: pó, cinza e nada.




Conde da Gardunha

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

SOBRE LIVROS E SEUS AUTORES ( I )

SOBRE LIVROS E SEUS AUTORES ( I )

Aos seis anos já sabia ler e escrever palavras simples, devido ao zelo do meu pai e, principalmente, vontade minha. Aprendi a ler com relativa facilidade, pois preferia que as histórias fossem lidas por mim do que por outrem.
Esta relação apaixonada pela leitura, nem sempre foi pacífica, não pela minha parte como é óbvio, mas por parte de outros que, julgo eu, não deviam ter qualquer interferência. Isto penso eu agora, distanciando-me do tempo em que havia sempre alguém da família e até fora dela que vigiavam as nossas leituras.
As minhas primeiras leituras foram os livros editados pela Majora que publicava livrinhos com gravuras apelativas e letras de tamanho maior, próprias para quem começava a ler.
Depois, as revistas aos quadradinhos que me encantavam e deliciavam como o Mundo de Aventuras, o Cavaleiro Andante… (Quando pensei escrever esta crónica, conversei com o meu querido amigo de infância António Marques o meu fornecedor destas leituras que me disse: Não te esqueças de mencionar o Titã que era na altura, a melhor banda desenhada.
Outras paixões se seguiram como os livros das colecções:  Búfalo, Bisonte, FBI, Detective, etc. todas publicadas pela Agência Portuguesa de Revistas.
Depois, outras paixões vieram como o Émile Salgari e Júlio Verne que cada um à sua maneira me extasiava.
O livro “Leituras”


foi o meu livro na quarta classe e, continha um extracto de um romance de Júlio Dinis do qual gostei particularmente. Desde essa altura fiquei com a curiosidade de saber toda a história do livro. Fixei o nome do autor mas, segundo julgo, não estava mencionado o título da obra. Resolvi então ler a obra deste autor e o tal texto que me encantara, encontrei-o na Morgadinha do Canaviais.

Numa tarde de Verão, o meu amigo Ernesto Freches sabendo do meu interesse por livros convidou-me ir a sua casa. Quando entrei no seu quarto, fiquei em êxtase: as paredes estavam literalmente forradas por estantes repletas de livros. Percorri com o olhar a lombadas de variegadas cores ao mesmo tempo que lia alguns títulos e seus autores. Quantas histórias, quantas personagens estavam ali naquele espaço a minha imaginação começou a funcionar. Com a autorização desse amigo levei para casa dois volumes da colecção Rocambole.
Mal pensava eu que por causa destes livros vinha o primeiro dissabor que me deixou perplexo e revoltado.
Estava a saborear a leitura do primeiro volume, numa tarde, rente ao jantar, quando o meu pai resolveu investigar o que lia o seu filho primogénito como se fosse filha casta e pura. Pediu-me o livro e, por azar, logo foi parar numa página onde aparecia a palavra “cabaré”. Palavra mal-afamada com sinónimo de perdição. Vi na cara dele que vinha aí borrasca e não me enganei. À medida que me dirigia palavras revoltas atirou o livro de encontro à parede que por sorte não o danificou. Pensei comigo: Ena, o meu pai foi o único até agora, que conseguiu encostar o Rocambole à parede e com que violência.
Esta atitude que ainda hoje condeno, só serviu para aguçar a minha curiosidade e de certo modo fazer a minha vingançazinha. Li toda a colecção não em casa, mas debaixo dos pinheiros por cima do campo de ténis. Pais impertinentes fazem os filhos desobedientes.
Este foi o primeiro dissabor. O segundo foi mais sério que se chegasse a acontecer, teria havido em casa um terramoto de fazer inveja ao de 1755.
Quando do tempo da Desobriga altura de se confessarem pelo menos uma vez por ano era hábito na Panasqueira vir um pregador, para fazer a devida preparação. Pregava do púlpito obrigando os fiéis olharem-no de lado, o que sinceramente era incómodo.
Nessa altura, ainda ia a todos os actos religiosos e cumpria mais ou menos com os mandamentos da Santa Madre Igreja. 
Por hábito confessava-me ao pregador, era de fora e levava para bem longe os meus pecadilhos. Também é verdade que me confessava na última da hora que era para ter menos tempo para pecar até à comunhão.
Ajoelhei qual criminoso à procura do perdão e encetámos uma conversa que adivinhei não ir dar bom resultado. O tonsurado depois de querer espiolhar e não ficasse satisfeito com o que tinha catado, pergunta-me: você tem hábitos de leitura? Pensando eu que isso não era pecado, respondi que sim. E ele com voz melada volta à carga: E o que tem lido? Bem, pensei: vamos falar sobre livros e isso agrada-me. Ingenuidade! Quando o informei que tinha acabado de ler alguns livros do Émile Zola é que foi o Diabo.

Não lhe posso dar a absolvição. Sentenciou o Inquisidor. F…….-se e agora? Por mim está tudo bem, mas, e os meus pais se não me vêem amanhã comungar? (foi este o meu pensamento). Então passo a ser quase um excomungado somente por ter lido um autor que a igreja o tinha colocado no índex?
Nada disse e aguardei a decisão final. De repente o “judas” perguntou: Compraram as bulas este ano? Que vontade de rir me deu. Vou comprar a absolvição. A resposta que dei foi que sim senhor tinha comprado.
Agora a melhor do safardana: Vou dar-lhe a absolvição não só porque tem as bulas mas, vai aqui prometer-me que quando chegar a casa a primeira coisa que vai fazer é queimar todos os livros desse escritor.
Claro que prometi, não custou nada a promessa.
Pensava ele que ainda estávamos na Inquisição comandada por um tal Torquemada.
Este padre de má memória e outros tantos como ele só contribuem para tirar a pouca fé que as pessoas ainda teimam em tê-la.
A paixão pela leitura continua a mesma e, não haveria entraves por maiores que fossem que fizessem  eu abandonar estes meus amigos dilectos que são os livros.


CONDE DA GARDUNHA