REBIMBA O MALHO

REBIMBA O MALHO

terça-feira, 20 de agosto de 2013

A MORTE FICOU-LHE A MATAR - PREÂMBULO

A MORTE FICOU-LHE A MATAR - PREÂMBULO

Há já alguns anos escrevi uma novela e, resolvi agora, transcrever o último capítulo já que contar toda a história poderia eventualmente tornar-se enfadonho. Tirando a personagem principal que é ficcionada, todos os outros intervenientes existiram e faço questão de os mencionar pelas alcunhas que tinham.       
Para entronizar os eventuais leitores nesta história, resumi-la-ei em breves linhas uma vez que só será publicado o derradeiro capítulo.
É a história da vida da menina Efigénia que foi menina até à sua morte em virtude de nunca ter casado. Não por falta de aptidão para o casamento mas, por falta de pretendentes. A menina Efigénia, beata militante mas, muito querida pelas gentes do lugar pelo seu espírito esmoler, nasceu, coitada dela, desprovida sequer de uma centelha de beleza. O que a mais desfeava eram dois dentes da fachada quais duas sentinelas avançadas que nunca se albergavam na respectiva guarita. Era pessoa de muitos teres e haveres e que tinha por morte dos pais, herdado a mais rica casa do lugarejo.
Todos os Sábados na sua casa apalaçada havia serões onde as artes predominavam que iam do teatro à música passando inclusivamente pela dança. O promotor dos serões era o Ti Zé Loureiro que uma corda a menos na sua rabeca não lhe trazia engulhos.
Ora, foi num destes serões que a menina Efigénia - menina com quase oitenta anos – se marchou desta vida contente vítima de uma apoplexia motivada por um riso constante e convulsivo por uma piada grosseira dita pelo Ti “Questiano” já com um grão nas duas asas.
Verificado o óbito pelo físico, este por mais esforços que fizesse, não conseguiu que os músculos do rosto da defunta tomassem o seu estado natural. Foi para a cova com um ar risonho e feliz.
É pois a partir deste ponto que se inicia o último capítulo da novela.



CONDE DA GARDUNHA

A MORTE FICOU-LHE A MATAR - ÚLTIMO CAPÍTULO ( SEM A PRONÚNCIA LOCAL)

A MORTE FICOU-LHE A MATAR - ÚLTIMO CAPÍTULO (SEM A PRONÚNCIA LOCAL)

Chegou o padre Manuel de sobrepeliz, estola roxa e, nas mãos, o livrinho das orações e o terço do rosário. O padre Manuel, homem alto e nédio vinha acolitado pelo Falhinho que levava presa numa das mãos a caldeirinha da água benta com o respectivo hissope e na outra mão a campainha presa pelo badalo não fosse ela tocar a destempo. O Falhinho de cabelo cor da seara pronta a ser segada, era um pobre rapaz que tinha por hábito de se servir da manga do casaco puído, para limpar as ventas mucosas. Na falta de mangas, usava a costa da mão que por sua vez ia direita à perna das calças.
O padre Manuel aproximou-se e, parou aos pés da defunta. Depois de uma breve oração, ripou do hissope bem ensopado que o Falhinho atento lhe facilitou.
- É a última "auga" que chupas – disse o acólito. Mas, não foi assim. O padre no momento de aspergir, dá de caras com a felicidade da morta e, é com um solavanco, por querer reprimir o riso, que a água benta passa a rasar o corpo da menina Efigénia e vai pespegar-se na cabeça descabelada do Evaristo que estava sentado à cabeceira da falecida.
Ora, o Evaristo, homem bilioso, tomou aquele desconchavo como uma afronta. Levantou-se impetuoso para ripostar mas, refreou-se quando viu estampada na cara do eclesiástico a aflição e um pedido de desculpas feito através de uma pequena vénia. Desta forma, deu-se por desafrontado. Sentou-se, puxou do lenço listrado e, ao mesmo tempo que enxugava a calva, ia murmurando: - Tiveste que te agachar, filho de quatro nalgas.
Sanado este incidente, os presentes aconchegaram-se a fim de fazerem um lugarzinho para o senhor prior. O Falhinho colou-se à sua ilharga não largando por nada as suas alfaias.
Iniciou-se a recitação do terço e, quando já iam dedilhadas quatro dezenas, apareceu a Maria Sem Pescoço uma das protegidas da que foi sempre menina. Não se incomodando com a toada da reza, disse em voz alta o que lhe ia na alma: - "Atão" menina “Fgénia”, deixou-nos assim sem mais nem outra; coitadinha, tão boa, tão santa, era o que se pode chamar um anjo. Merecia “inté” que Nosso Senhor lhe tivesse posto umas asinhas.
O Falhinho que tinha os olhos e ouvidos lampeiros, não se conteve. Com as fuças emolduradas por um sorriso alarve que deixava à mira duas dentolas intimadoras capazes de traçar um bom naco de broa em menos de uma Avé Maria, ripostou: - As asas fechou-as e entalou-as debaixo do…
O Perna D’Aço que não era para brincadeiras e que ultimamente andava com os azeites por ter que usar um colete ortopédico com o fim de lhe endireitar o espinhaço, evitou que saísse asneira. Estando atrás do Falhinho, sentenciou-lhe: - Cala-te cabrão! Se falas no cu da velha, arranco-te das patas a caldeira das benzeduras e dou-te com ela tantas vezes, até te rachar esses cornos.
O coitado do rapaz, de corado se fez verde passando pelo amarelo e, até a caldeirinha tremelicou. Mas, a Ti Rabeia das Virtudes que além de ser vendedeira, boa alma, e apaziguadora das excitações do rapazio do lugar, ouviu a reprimenda e advogou: - Parece impossível! Ora agora mais esta, ficava o rapaz, coitadinho, rachado e mal pago, só por ter a lembrança de dizer onde a menina poderia ter as asas.
O Perna D’Aço ia a retorquir se não fosse a pronta intervenção do padre Manuel que para isso deixou a meio um Pai Nosso: ─ Então, haja mais compostura, honremos e respeitemos quem partiu desta vida.
Assim se pazearam os ânimos. A recitação do  terço terminou e, como era chegada a hora, começaram a preparar a menina Efigénia, para ser levada à última morada que distava uma meia hora em passo cadenciado.
À porta, já esperavam três irmãos das almas com o respectivo estandarte. Eram eles o Colhouço que era o porta-estandarte, a ladearem-no segurando nos cordões estavam o Zé Panaita ainda arrimado à sua muleta e o Ti Manel João, tendeiro.
Não haveria nada de peculiar nestas três personagens, se não tivessem em comum, o mesmo defeito físico: todos eles eram coxos mas, coxos a valer. O mais torto, o que mais se evidenciava, era o Ti Manel João que a cada passada ao apoiar-se na perna manca, dava mesmo a ideia que ia ruir.
O cortejo fúnebre organizou-se: na vanguarda ia o Falhinho que fazia vibrar a sineta a cada pé de passada, ao mesmo tempo que pontapeava todo o seixo reboludo que estivesse ao alcance das suas botas de ver o sebo, brochadas e com a biqueira empinada a espreitar o Céu. Seguia-se-lhe o tonsurado que orientava as orações durante o percurso. A irmandade depois e, antes dos acompanhantes, o féretro. Este, segundo o hábito naquela aldeia, era transportado numa carreta e o caixão ia destapado para que o povo pudesse pela última vez, ver a face do irmão que partira.
O estandarte das almas, lá ia adejando numa louca tormenta sacudido impiedosamente pelos sacões descoordenados transmitidos pelos três chanquetas.
Quem não despregava os olhos da bandeira, era o Rebola Caixotes que se destacava pela sua gaforina em remoinho e a carcela das calças por abotoar por onde assomavam timidamente parte das ceroulas de flanela. Às tantas, não se conteve e vaticinou para o Redolho com um ar assacanado: - Cá para mim, aqueles cochambetas dum catano, ainda fazem com que as almas se despeguem da bandeira e venham sacudidas por’i abaixo afocinhando no chão. Enquanto o Redolho ria a bom rir com o dichote pondo às escâncaras os dentes irregulares que o tempo se encarregara de os forrar com uma cor fuliginosa. O Palpito, criatura possante e de farta trunfa, estava por perto e teve que dizer das suas: - Merecias que te fosse às ventas seu filho da puta. Já não há respeito nem num acto destes?
O Redolho bem como o Rebola Caixotes acharam por bem calarem-se tanto mais, que viram como ao Palpito lhe fremiam as aletas do apêndice nasal e quando isto acontecia era sinal que estava prestes a soltar o seu génio violento.
De ambos os lados da estrada, estavam muitos populares que não se tinham incorporado no préstito que lá caminhava às vezes por caminhos acidentados. Tanto assim, que o corpo da menina Efigénia com os solavancos até parecia ter movimento próprio.
Atento àquele quadro, estava o Chico Caixa vestido como sempre à “cáboi”: chapéu de abas reviradas, calças afuniladas e botas mexicanas de tacão alto favorecendo-o, pois ficava mais crescido. Era também anti-simpatia, anti-clerical, anti-religioso, enfim, era um anti a tempo inteiro. Deu-se até o caso que num Domingo de Desobriga, quando alguns bons católicos que estavam, depois de terem cumprido o seu dever, a beberricar na taberna do Ti Manel da Ribeira estar ele também presente. Não é que o safado se vira para o Amândio Bexiga, no momento preciso em que ele emborcou de um trago um cálice de bagaço e sem rebuço, atira-lhe esta anormalidade: - Tão, já estás a afogá-LO?
Os presentes, somente sorriram, não, que eles eram tementes e acharam melhor terem em conta o velho axioma: “Muitas graças a Deus e poucas graças com Deus”.
Pois o nosso figurante, no alto dos seus tacões, movimentando um palito de fósforo que prendera na boca e com os olhos fisgados no caixão, gracejou: - Fico sem saber se a velha se abana por rir ou se ri por ser abanada. Os que estavam à sua beira e que eram da sua laia, deliraram, ficando toda aquela ala à beira caminho parada, bem-disposta e chalaceira.
Já a carreta tinha ultrapassado o largo portão de ferro do jardim das cruzes e ainda se ouvia o gargalhar daquelas almas danadas sem temor a nada e a ninguém.
- São uns ímpios, uns excomungados refilava a Ti Panchorra, virando a cabeça para donde vinha o som daquele despropósito.
Quem esperava encostado à sachola, era o Ti Manel Pilatos, elevado à categoria de coveiro interino, já que o efectivo, o Ti Chanfana andava às voltas com um cobrão que o trazia derreado.
Quando abeiraram o caixão, o Ti Pilatos descobriu-se metendo a boina no bolso traseiro das calças coçadas. O padre Manuel fez a última oração e, de seguida, então sim, a menina Efigénia recebeu a última água.
Fechado o sobretudo de pinho, foi baixado com a ajuda de cordas para o ventre aberto da terra e acomodado no fundo da cova.
O Ti Pilatos debitou o seguinte comentário ao mesmo tempo que arremessava os olhos piscos e vermelhuscos que enxugava constantemente com o lenço tabaqueiro amarfanhado e enxovalhado, para o fundo da cova: - Para quem não é da arte, até ficou um trabalho asseado. O talhe como convém, foi mesmo à justinha. Desejo que a menina F’génia conserve no Céu, o mesmo sorriso com que se foi da terra. Isto, dito ao jeito do Ti Pilatos, fez com que os mais próximos, o padre Manuel incluído, retivessem a custo o sorriso.
Só quando se ouviu o som cavo da terra a bater no tampo da urna, é que o povo debandou.
Já o coveiro interino dava os últimos aconchegos à terra, quando o sino se calou.
 - “C’um” raio, até me pareceu que a porra do sino em vez de dobrar, tocava à Aleluia. Hum! Se calhar fui eu que não me atentei bem.
Ia já de abalada, levando nos lábios um Pai Nosso, ao ombro a sachola e, com o lenço tabaqueiro limpando os olhos, ainda se voltou a fim de ver como tinha ficado catita a última morada da menina Efigénia.


Conde da Gardunha

domingo, 4 de agosto de 2013

SER POETA (AUTORES: ZÉ MARQUES E VICTOR SERRA)

SER POETA (AUTORES ZÉ MARQUES E VICTOR SERRA)   

  VICTOR SERRA

Ser poeta é ser diferente,
é sentir o que o outro sente,
é amar sem ser amado,
é rejeitar o seu fado.

Poeta é ver em tudo amor,
é ver o sol na tormenta,
é ser bálsamo na dor,
é sorrir quando acalenta.

Poeta é mente nascente,
é a quimera a brotar,
que com seu verso lucente,
leva a tristeza a placar.

ZÉ MA
O poeta é regadio,
dos alfobres de palavras
do trivial, arredio
um vedor de abracadabras.

O poeta é o recobro,
do carente em fantasia
e remédio p'ra soçobro,
com a bula em poesia.

O poeta é navegante,
no mar sito em verbo amar
e a estrofe sua amante,
musa ao leme a navegar.







sexta-feira, 2 de agosto de 2013

IDA AO FUNDÃO

IDA AO FUNDÃO

Anteontem fui ao Fundão e um dos motivos não o mais importante, era ir a um fotógrafo a fim de mandar revelar um rolo de fotografias. De vez em quando ainda gosto de tirar fotografias com uma máquina de rolo. Quando fui por elas, estavam presentes além do profissional, outras duas pessoas que saudei como pessoa educada que prezo ser.

Os presentes conversavam e, enquanto mirava os artigos da loja, ouvi um deles mencionar o nome da minha terra. Não me contive e meio a sorrir atirei: Não digam mal do Louriçal que eu não deixo. A pessoa mais jovem respondeu: Eu também não! Bem, estou com a minha gente disse para comigo. O menos jovem que soube depois que era da Orca disse-me em surdina: é padre.
Ora como não tenho grande relação com a igreja nem com o clero por motivos que não cabem nesta crónica, não o reconheci embora a cara não me fosse completamente estranha.
Porém, como tinha a curiosidade de saber quem era aquele meu conterrâneo perguntei-lhe se era o pároco do Louriçal. Estúpida pergunta porque de repente lembrei-me quem era. Tratava-se do Reverendo Padre André que tinha cantado a sua primeira missa há muito pouco tempo.
Entabulámos uma conversa muito agradável e fiquei deveras a admirá-lo por ser bom conversador e ser de uma simpatia natural.
Segundo me informou vai paroquiar: São Jorge da Beira, Panasqueira, Barroca Grande, aldeia de São Francisco de Assis e Silvares. Fiquei radiante e disso lhe dei conta por conhecer muito bem aquelas terras das quais tenho muitas saudades. Já sabe e, sem desprimor para as outras, que as gentes de São Jorge da Beira foram sempre muito hospitaleiras.
Árdua tarefa lhe foi atribuída mas tenho a certeza que o Padre André com a ajuda divina e o seu saber, levará por diante o seu mister pastoral.
Despedi-me dele desejando-lhe as maiores felicidades e fiquei com o sentimento de orgulho por um conterrâneo ir para onde vivi durante tantos anos. 



CONDE DA GARDUNHA