SOBRE LIVROS E SEUS AUTORES ( I )
Aos seis anos já sabia ler e escrever
palavras simples, devido ao zelo do meu pai e, principalmente, vontade minha.
Aprendi a ler com relativa facilidade, pois preferia que as histórias fossem
lidas por mim do que por outrem.
Esta relação apaixonada pela leitura,
nem sempre foi pacífica, não pela minha parte como é óbvio, mas por parte de
outros que, julgo eu, não deviam ter qualquer interferência. Isto penso eu
agora, distanciando-me do tempo em que havia sempre alguém da família e até fora
dela que vigiavam as nossas leituras.
As minhas primeiras leituras foram os
livros editados pela Majora que publicava livrinhos com gravuras apelativas e
letras de tamanho maior, próprias para quem começava a ler.
Depois, as revistas aos quadradinhos
que me encantavam e deliciavam como o Mundo de Aventuras, o Cavaleiro Andante…
(Quando pensei escrever esta crónica, conversei com o meu querido amigo de
infância António Marques ─ o meu fornecedor destas leituras ─ que me disse: Não te esqueças de mencionar o Titã que era na altura, a
melhor banda desenhada.
Outras paixões se seguiram como os
livros das colecções: Búfalo, Bisonte,
FBI, Detective, etc. todas publicadas pela Agência Portuguesa de Revistas.
Depois, outras paixões vieram como o Émile
Salgari e Júlio Verne que cada um à sua maneira me extasiava.
O livro “Leituras”
foi o meu livro na
quarta classe e, continha um extracto de um romance de Júlio Dinis do qual
gostei particularmente. Desde essa altura fiquei com a curiosidade de saber
toda a história do livro. Fixei o nome do autor mas, segundo julgo, não estava
mencionado o título da obra. Resolvi então ler a obra deste autor e o tal texto
que me encantara, encontrei-o na Morgadinha do Canaviais.
Numa tarde de Verão, o meu amigo
Ernesto Freches sabendo do meu interesse por livros convidou-me ir a sua casa.
Quando entrei no seu quarto, fiquei em êxtase: as paredes estavam literalmente
forradas por estantes repletas de livros. Percorri com o olhar a lombadas de
variegadas cores ao mesmo tempo que lia alguns títulos e seus autores. Quantas
histórias, quantas personagens estavam ali naquele espaço ─ a minha imaginação
começou a funcionar. Com a autorização desse amigo levei para casa dois volumes
da colecção Rocambole.
Mal pensava eu que por causa destes
livros vinha o primeiro dissabor que me deixou perplexo e revoltado.
Estava a saborear a leitura do
primeiro volume, numa tarde, rente ao jantar, quando o meu pai resolveu
investigar o que lia o seu filho primogénito como se fosse filha casta e pura.
Pediu-me o livro e, por azar, logo foi parar numa página onde aparecia a
palavra “cabaré”. Palavra mal-afamada com sinónimo de perdição. Vi na cara dele
que vinha aí borrasca e não me enganei. À medida que me dirigia palavras
revoltas atirou o livro de encontro à parede que por sorte não o danificou.
Pensei comigo: Ena, o meu pai foi o único até agora, que conseguiu encostar o
Rocambole à parede e com que violência.
Esta atitude que ainda hoje condeno,
só serviu para aguçar a minha curiosidade e de certo modo fazer a minha
vingançazinha. Li toda a colecção não em casa, mas debaixo dos pinheiros por
cima do campo de ténis. Pais impertinentes fazem os filhos desobedientes.
Este foi o primeiro dissabor. O
segundo foi mais sério que se chegasse a acontecer, teria havido em casa um
terramoto de fazer inveja ao de 1755.
Quando do tempo da Desobriga ─altura de se
confessarem pelo menos uma vez por ano─ era hábito na Panasqueira vir um pregador, para fazer a devida
preparação. Pregava do púlpito obrigando os fiéis olharem-no de lado, o que
sinceramente era incómodo.
Nessa altura, ainda ia a todos os actos
religiosos e cumpria mais ou menos com os mandamentos da Santa Madre
Igreja.
Por hábito confessava-me ao pregador,
era de fora e levava para bem longe os meus pecadilhos. Também é verdade que me
confessava na última da hora que era para ter menos tempo para pecar até à comunhão.
Ajoelhei qual criminoso à procura do
perdão e encetámos uma conversa que adivinhei não ir dar bom resultado. O
tonsurado depois de querer espiolhar e não ficasse satisfeito com o que tinha
catado, pergunta-me: você tem hábitos de leitura? Pensando eu que isso não era
pecado, respondi que sim. E ele com voz melada volta à carga: E o que tem lido?
Bem, pensei: vamos falar sobre livros e isso agrada-me. Ingenuidade! Quando o
informei que tinha acabado de ler alguns livros do Émile Zola é que foi o
Diabo.
─Não lhe posso dar a absolvição─. Sentenciou o Inquisidor. F…….-se e agora? Por mim está tudo bem, mas, e
os meus pais se não me vêem amanhã comungar? (foi este o meu pensamento). Então
passo a ser quase um excomungado somente por ter lido um autor que a igreja o
tinha colocado no índex?
Nada disse e aguardei a decisão
final. De repente o “judas” perguntou: Compraram as bulas este ano? Que vontade
de rir me deu. Vou comprar a absolvição. A resposta que dei foi que sim senhor
tinha comprado.
Agora a melhor do safardana: ─Vou dar-lhe a
absolvição não só porque tem as bulas mas, vai aqui prometer-me que quando chegar
a casa a primeira coisa que vai fazer é queimar todos os livros desse escritor.
Claro que prometi, não custou nada a promessa.
Pensava ele que ainda estávamos na Inquisição
comandada por um tal Torquemada.
Este padre de má memória e outros tantos
como ele só contribuem para tirar a pouca fé que as pessoas ainda teimam em tê-la.
A paixão pela leitura continua a mesma
e, não haveria entraves por maiores que fossem que fizessem eu abandonar estes meus amigos
dilectos que são os livros.
CONDE DA GARDUNHA