REBIMBA O MALHO

REBIMBA O MALHO

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

EXUMAÇÃO

EXUMAÇÃO

Uma manhã de Agosto. O sol, já dardejava os seus raios. Previa-se um dia de suar as estopinhas. No cemitério onde estava, procurei a sombra esguia de um cipreste  Por companhia o coveiro, alto, seco de carnes, abria uma cova. Conheço-o de há muito e, lembrei-me de António Nobre, que sabendo-se condenado, fez um pedido àquele que o acomodaria na sua última morada.
Continuava a tirar a terra às pazadas com movimentos certos e contínuos.
─ Vou levantar as ossadas do que está aqui. Por engano foi enterrado numa cova que não era dele e, o dono legítimo pois a comprara, morreu esta noite, agora a família reclama-a. ─ Justificou-se.
Falei com os meus botões: até na morte há despejos, só que neste caso o despejo era de despojos.
O coveiro ia descendo à medida que o buraco ia ficando mais fundo. Por fim, do sítio onde eu estava, só via a terra atirada pelo ar.
─ Já apareceu - Exclamou!
Movido por uma curiosidade mórbida, deixei a sombra e abeirei-me do coval. O esqueleto estava ainda completo, salvo o crânio que  estava de lado. Tudo o que vi estava limpo de carnes e de preconceitos. Disse para os meus botões: Eis  o futuro de todo o vivente.
- Lá vai a bolinha disse o coveiro num tom de quem está habituado há muito a lidar com os restos dos que partiram.
A bolinha era a caveira que rolou para bem perto de mim o que me deixou deveras impressionado. Tinha ainda   ligaduras laças a envolve-la, porventura devido a alguma intervenção cirúrgica. Parecia que me olhava com seus olhos vazios. Os maxilares cerrados dava a sensação de riso asssacanado escorrido por entre dentes grandes e ferruginosos. Riso de escárnio quem sabe apodando  de puta à morte por o ter vencido, ou de puta à vida por lhe ter sido madrasta.
Saí daquele campo do silêncio, abatido, não só pela  cena que tinha assistido mas, também por por aquele sol que estava inclemente. A minha cabeça entrou em turbilhão  com os pensamentos mais díspares.
O que deveria ter sido e no que se tornou: pó, cinza e nada.




Conde da Gardunha

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

SOBRE LIVROS E SEUS AUTORES ( I )

SOBRE LIVROS E SEUS AUTORES ( I )

Aos seis anos já sabia ler e escrever palavras simples, devido ao zelo do meu pai e, principalmente, vontade minha. Aprendi a ler com relativa facilidade, pois preferia que as histórias fossem lidas por mim do que por outrem.
Esta relação apaixonada pela leitura, nem sempre foi pacífica, não pela minha parte como é óbvio, mas por parte de outros que, julgo eu, não deviam ter qualquer interferência. Isto penso eu agora, distanciando-me do tempo em que havia sempre alguém da família e até fora dela que vigiavam as nossas leituras.
As minhas primeiras leituras foram os livros editados pela Majora que publicava livrinhos com gravuras apelativas e letras de tamanho maior, próprias para quem começava a ler.
Depois, as revistas aos quadradinhos que me encantavam e deliciavam como o Mundo de Aventuras, o Cavaleiro Andante… (Quando pensei escrever esta crónica, conversei com o meu querido amigo de infância António Marques o meu fornecedor destas leituras que me disse: Não te esqueças de mencionar o Titã que era na altura, a melhor banda desenhada.
Outras paixões se seguiram como os livros das colecções:  Búfalo, Bisonte, FBI, Detective, etc. todas publicadas pela Agência Portuguesa de Revistas.
Depois, outras paixões vieram como o Émile Salgari e Júlio Verne que cada um à sua maneira me extasiava.
O livro “Leituras”


foi o meu livro na quarta classe e, continha um extracto de um romance de Júlio Dinis do qual gostei particularmente. Desde essa altura fiquei com a curiosidade de saber toda a história do livro. Fixei o nome do autor mas, segundo julgo, não estava mencionado o título da obra. Resolvi então ler a obra deste autor e o tal texto que me encantara, encontrei-o na Morgadinha do Canaviais.

Numa tarde de Verão, o meu amigo Ernesto Freches sabendo do meu interesse por livros convidou-me ir a sua casa. Quando entrei no seu quarto, fiquei em êxtase: as paredes estavam literalmente forradas por estantes repletas de livros. Percorri com o olhar a lombadas de variegadas cores ao mesmo tempo que lia alguns títulos e seus autores. Quantas histórias, quantas personagens estavam ali naquele espaço a minha imaginação começou a funcionar. Com a autorização desse amigo levei para casa dois volumes da colecção Rocambole.
Mal pensava eu que por causa destes livros vinha o primeiro dissabor que me deixou perplexo e revoltado.
Estava a saborear a leitura do primeiro volume, numa tarde, rente ao jantar, quando o meu pai resolveu investigar o que lia o seu filho primogénito como se fosse filha casta e pura. Pediu-me o livro e, por azar, logo foi parar numa página onde aparecia a palavra “cabaré”. Palavra mal-afamada com sinónimo de perdição. Vi na cara dele que vinha aí borrasca e não me enganei. À medida que me dirigia palavras revoltas atirou o livro de encontro à parede que por sorte não o danificou. Pensei comigo: Ena, o meu pai foi o único até agora, que conseguiu encostar o Rocambole à parede e com que violência.
Esta atitude que ainda hoje condeno, só serviu para aguçar a minha curiosidade e de certo modo fazer a minha vingançazinha. Li toda a colecção não em casa, mas debaixo dos pinheiros por cima do campo de ténis. Pais impertinentes fazem os filhos desobedientes.
Este foi o primeiro dissabor. O segundo foi mais sério que se chegasse a acontecer, teria havido em casa um terramoto de fazer inveja ao de 1755.
Quando do tempo da Desobriga altura de se confessarem pelo menos uma vez por ano era hábito na Panasqueira vir um pregador, para fazer a devida preparação. Pregava do púlpito obrigando os fiéis olharem-no de lado, o que sinceramente era incómodo.
Nessa altura, ainda ia a todos os actos religiosos e cumpria mais ou menos com os mandamentos da Santa Madre Igreja. 
Por hábito confessava-me ao pregador, era de fora e levava para bem longe os meus pecadilhos. Também é verdade que me confessava na última da hora que era para ter menos tempo para pecar até à comunhão.
Ajoelhei qual criminoso à procura do perdão e encetámos uma conversa que adivinhei não ir dar bom resultado. O tonsurado depois de querer espiolhar e não ficasse satisfeito com o que tinha catado, pergunta-me: você tem hábitos de leitura? Pensando eu que isso não era pecado, respondi que sim. E ele com voz melada volta à carga: E o que tem lido? Bem, pensei: vamos falar sobre livros e isso agrada-me. Ingenuidade! Quando o informei que tinha acabado de ler alguns livros do Émile Zola é que foi o Diabo.

Não lhe posso dar a absolvição. Sentenciou o Inquisidor. F…….-se e agora? Por mim está tudo bem, mas, e os meus pais se não me vêem amanhã comungar? (foi este o meu pensamento). Então passo a ser quase um excomungado somente por ter lido um autor que a igreja o tinha colocado no índex?
Nada disse e aguardei a decisão final. De repente o “judas” perguntou: Compraram as bulas este ano? Que vontade de rir me deu. Vou comprar a absolvição. A resposta que dei foi que sim senhor tinha comprado.
Agora a melhor do safardana: Vou dar-lhe a absolvição não só porque tem as bulas mas, vai aqui prometer-me que quando chegar a casa a primeira coisa que vai fazer é queimar todos os livros desse escritor.
Claro que prometi, não custou nada a promessa.
Pensava ele que ainda estávamos na Inquisição comandada por um tal Torquemada.
Este padre de má memória e outros tantos como ele só contribuem para tirar a pouca fé que as pessoas ainda teimam em tê-la.
A paixão pela leitura continua a mesma e, não haveria entraves por maiores que fossem que fizessem  eu abandonar estes meus amigos dilectos que são os livros.


CONDE DA GARDUNHA