IN
ILLO TEMPORE
Naquele tempo, a Panasqueira fervilhava
de gente, não havia uma casa sequer por habitar. Nada ou quase nada se passava
digno de registo mas, a população estava habituada a viver naquele marasmo de
todos os dias.
A comunidade composta por pessoas
oriundas dos mais diversos pontos do país convivia pacificamente, eram pessoas
de paz, tirante pequenos nadas como uma espera feita no alto da serra onde o
que estava de tocaia desferiu umas navalhadazitas no que vinha tranquilo ou,
numa noite de Natal, em redor da fogueira alguém empunhando um objecto perfurante
fez uns furozitos na pele do seu antagonista e que por esse motivo penso que esteve
arrecadado na cadeia da Covilhã por algum tempo, ou ainda, alguém que tinha uma
tara que era espreitar por todo o buraco desprecavido a fim de ver como se
comportavam os casais recém-casados.
De resto, pequenas escaramuças dentro e
fora do clube, uns ralhos, isto é, o normal de uma localidade mais virada para
o trabalho e bisbilhotice, mas isso é comum em todos os lugares.
Contudo, houve um dia e que dia, em que alguém
atirou uma pedra para o charco da calmaria e não é que essa água estagnada se
ia transformando num tsunami? Eu conto:
Lembrei-me de pôr um cognome a todas as
moças da Panasqueira, nomes que se ajustassem à sua maneira de ser e eram nomes
de filmes, revistas e peças de teatro que se exibiam nessa altura em Portugal e
que na altura abundavam. Para o efeito, depois do jantar muni-me de papel e
lápis e no Clube sentei-me na última mesa à esquerda de quem entra.
Os primeiros amigos a aparecerem foram os
irmãos António e Zé Monteiro Marques que vieram ter comigo e logo a seguir o
Albino Robalo Barata. Dei-lhes conta do
meu intento e todos se entusiasmaram e antegozando já o impacto que a coisa
iria dar.
O Zé Marques quase voava por entre as
mesas assenhoreando-se de todos os jornais que o Clube assinava ao mesmo tempo
que os outros os iam folheando à caça da página dos espectáculos em exibição.
Corríamos as carreiras de casas e eu ia
anotando: Esta o que se põe? Olha como já vai passando da idade fica: “NUNCA É
TARDE PARA AMAR”. Tinha na altura uma vizinha dona de montes e vales bem generosos
e fiz questão de ser a minha Marilyn e então… “O PECADO MORA AO LADO”. O
António Marques namorava uma Sofia que era linda e ele fez questão que fosse a “BELA
NAPOLITANA”. Namoriscava na altura uma cachopa que por hábito diário pregava na
blusa ou vestido um alfinete que era um ramalhete de violetas e pronto, lá
ficou sendo “A RAPARIGA DAS VIOLETAS”. A Fernanda que no seu andar sempre
apressado se bamboleava, pois, nada mais apropriado que “AI MEXE E REMEXE”. Uma
Maria que era Feliz rapariga muito magra achou que estava na altura de começar
a usar sapatos com salto alto. Então, a caminho da igreja era uma proeza
manter-se de pé e toda se contorcia no equilíbrio, o rabo ora para a direita,
ora para a esquerda e vai daí o baptismo mais adequado “HÁ FOGO NO PANDEIRO”.
Outra que casara com o primeiro e único namorado que teve nada melhor do que “A
MULHER DE UM HOMEM SÓ”. Outra que já não me lembro qual o motivo recebeu o nome
“O COMBOIO DAS SEIS E MEIA”. Estes foram os nomes que retive e tenho pena de não
ter ficado com uma lista.
Mas a história não termina aqui o pior
estava para vir pois a lista caiu nas mãos da “RAPARIGA DAS VIOLETAS” que
tratou de a divulgar. Naquela terra e arredores não se falava de outra coisa e
nós, os quatro, ficámos apreensivos pela amplitude que tomou uma coisa que nada
tinha de ofensivo.
Mais apreensivos ficámos quando fomos
convocados para comparecermos no posto da Guarda Nacional Republicana lugar
onde nunca tínhamos entrado.
No meu pensamento só via os pais das
moças no posto da Guarda à nossa espera para nos achincalharem ou coisa pior.
Chegada a altura lá fomos e à porta não estava ninguém, já não era mau, quando
entrámos só marcava presença um pai que pugnava pelo bom nome das duas filhas.
O comandante do posto falou já não me lembra o quê e o pai ofendido que teve contas
com a justiça segundo diziam pretendeu dar uma aula de moral, bem, o Albino que
o sangue lhe fervia com facilidade pretendeu atirar-se para cima dele e partir
para a luta o que impedimos está visto. Conclusão, a brincadeira custou a cada
de nós 80$50 (oitenta escudos e cinquenta centavos).
Paguei mas tive a recompensa. Anos mais
tarde, já eu estava em Lisboa encontro por acaso o meu querido e saudoso amigo
o Ti Almeida. Após os cumprimentos e sabermos da saudinha diz-me ele: E aquilo
de terem posto nomes às raparigas? Aquilo estava mesmo científico.
Só para ouvir este elogio, tê-lo-ia feito
novamente e claro que valeu a pena ter pago a coima.
São Fiel, 19/04/2017