REBIMBA O MALHO

REBIMBA O MALHO

quarta-feira, 19 de abril de 2017



IN ILLO TEMPORE

Naquele tempo, a Panasqueira fervilhava de gente, não havia uma casa sequer por habitar. Nada ou quase nada se passava digno de registo mas, a população estava habituada a viver naquele marasmo de todos os dias.
A comunidade composta por pessoas oriundas dos mais diversos pontos do país convivia pacificamente, eram pessoas de paz, tirante pequenos nadas como uma espera feita no alto da serra onde o que estava de tocaia desferiu umas navalhadazitas no que vinha tranquilo ou, numa noite de Natal, em redor da fogueira alguém empunhando um objecto perfurante fez uns furozitos na pele do seu antagonista e que por esse motivo penso que esteve arrecadado na cadeia da Covilhã por algum tempo, ou ainda, alguém que tinha uma tara que era espreitar por todo o buraco desprecavido a fim de ver como se comportavam os casais recém-casados.
De resto, pequenas escaramuças dentro e fora do clube, uns ralhos, isto é, o normal de uma localidade mais virada para o trabalho e bisbilhotice, mas isso é comum em todos os lugares.
Contudo, houve um dia e que dia, em que alguém atirou uma pedra para o charco da calmaria e não é que essa água estagnada se ia transformando num tsunami? Eu conto:
Lembrei-me de pôr um cognome a todas as moças da Panasqueira, nomes que se ajustassem à sua maneira de ser e eram nomes de filmes, revistas e peças de teatro que se exibiam nessa altura em Portugal e que na altura abundavam. Para o efeito, depois do jantar muni-me de papel e lápis e no Clube sentei-me na última mesa à esquerda de quem entra.
Os primeiros amigos a aparecerem foram os irmãos António e Zé Monteiro Marques que vieram ter comigo e logo a seguir o Albino Robalo Barata.  Dei-lhes conta do meu intento e todos se entusiasmaram e antegozando já o impacto que a coisa iria dar.
O Zé Marques quase voava por entre as mesas assenhoreando-se de todos os jornais que o Clube assinava ao mesmo tempo que os outros os iam folheando à caça da página dos espectáculos em exibição.
Corríamos as carreiras de casas e eu ia anotando: Esta o que se põe? Olha como já vai passando da idade fica: “NUNCA É TARDE PARA AMAR”. Tinha na altura uma vizinha dona de montes e vales bem generosos e fiz questão de ser a minha Marilyn e então… “O PECADO MORA AO LADO”. O António Marques namorava uma Sofia que era linda e ele fez questão que fosse a “BELA NAPOLITANA”. Namoriscava na altura uma cachopa que por hábito diário pregava na blusa ou vestido um alfinete que era um ramalhete de violetas e pronto, lá ficou sendo “A RAPARIGA DAS VIOLETAS”. A Fernanda que no seu andar sempre apressado se bamboleava, pois, nada mais apropriado que “AI MEXE E REMEXE”. Uma Maria que era Feliz rapariga muito magra achou que estava na altura de começar a usar sapatos com salto alto. Então, a caminho da igreja era uma proeza manter-se de pé e toda se contorcia no equilíbrio, o rabo ora para a direita, ora para a esquerda e vai daí o baptismo mais adequado “HÁ FOGO NO PANDEIRO”. Outra que casara com o primeiro e único namorado que teve nada melhor do que “A MULHER DE UM HOMEM SÓ”. Outra que já não me lembro qual o motivo recebeu o nome “O COMBOIO DAS SEIS E MEIA”. Estes foram os nomes que retive e tenho pena de não ter ficado com uma lista.
Mas a história não termina aqui o pior estava para vir pois a lista caiu nas mãos da “RAPARIGA DAS VIOLETAS” que tratou de a divulgar. Naquela terra e arredores não se falava de outra coisa e nós, os quatro, ficámos apreensivos pela amplitude que tomou uma coisa que nada tinha de ofensivo.
Mais apreensivos ficámos quando fomos convocados para comparecermos no posto da Guarda Nacional Republicana lugar onde nunca tínhamos entrado.
No meu pensamento só via os pais das moças no posto da Guarda à nossa espera para nos achincalharem ou coisa pior. Chegada a altura lá fomos e à porta não estava ninguém, já não era mau, quando entrámos só marcava presença um pai que pugnava pelo bom nome das duas filhas. O comandante do posto falou já não me lembra o quê e o pai ofendido que teve contas com a justiça segundo diziam pretendeu dar uma aula de moral, bem, o Albino que o sangue lhe fervia com facilidade pretendeu atirar-se para cima dele e partir para a luta o que impedimos está visto. Conclusão, a brincadeira custou a cada de nós 80$50 (oitenta escudos e cinquenta centavos).
Paguei mas tive a recompensa. Anos mais tarde, já eu estava em Lisboa encontro por acaso o meu querido e saudoso amigo o Ti Almeida. Após os cumprimentos e sabermos da saudinha diz-me ele: E aquilo de terem posto nomes às raparigas? Aquilo estava mesmo científico.
Só para ouvir este elogio, tê-lo-ia feito novamente e claro que valeu a pena ter pago a coima.

São Fiel, 19/04/2017



VICTOR SERRA

 :)

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

O PECADO ORIGINAL

O PECADO ORIGINAL

Era ainda muito criança quando ouvi falar pela primeira vez sobre o pecado original. Soube assim que existia mas não o que significava, no que consistia. A pessoa mais indicada para me explicar seria o padre que me dava a doutrina, me deu a primeira comunhão, comunhão solene, esteve ao meu lado no crisma e até celebrou o casamento a meu pedido. Contudo, não me atrevia porque me lembrava daquele dia em que o interroguei já não me lembro sobre que assunto e respondeu-me que podia ser Deus a chamar-me e  ser Ele a explicar-me.
Ó Senhor dos Aflitos,  a minha curiosidade terminou nesse instante. Também que diabo não carecia de tamanha honra em subir ao Supremo para uma explicação que pensava ser simples.
Por outro lado, não queria mostrar o meu não saber perante outras pessoas ou confessar o interesse por aquele pecado. Sabia que mais cedo ou mais tarde viria a descobrir por mim mesmo e assim aconteceu através da leitura não me lembra qual livro ou revista.
Recordo sim que me revoltei quando soube a origem do original.
Este pecado já vem do tempo em que ainda não havia pecados ou pelo menos não estavam ainda catalogados nem enumerados.
O pecado original já vem dos inventados Adão e Eva desde quando conceberam os seus filhos, isto é: pega-se através do acto sexual.
Ora bem: os pais brincam, gozam e assim que nasce o filho  o “pecado” dos pais é o filhote que o carrega. Que injustiça; ainda  o nado mal deu o primeiro vagido e já carrega nos tenros ombros o pecado dos pais.
E que pecado tamanho! Só com um sacramento, o Baptismo, é que fica enfim livre, fica lavado dessa mácula, porque antes, até lhe chamam catecúmeno e proibido de entrar nas igrejas.
Este pecado só foi assim considerado no século IV. Até aqui não havia esses preceitos e por conseguinte ausência de culpa.
Foi preciso vir um africano - melhor seria que se tivesse mantido lá na sua cubata- para impor a sua inteligência à inteligência do que se opunham. Este legislador de pecados chamava-se Agostinho homem vicioso, cheio de excessos e que numa certa etapa da sua vida ouviu um chamamento tal como São Paulo ou São Francisco de Assis também estes com uma vida plena de estúrdias.
Como era hábito naqueles tempos e confirmado pelos biógrafos todos eles morriam com um cheirinho a santidade. Foi o que aconteceu a este Agostinho que subiu aos altares e é venerado com o nome de santo Agostinho.
Na religião católica tudo é proibição e tudo são deveres. Deus na sua infinita bondade confiou a Moisés os Dez Mandamentos com a recomendação que eram para ser cumpridos. Os homens à compita com o Altíssimo inventaram mais cinco que são os mandamentos da santa madre igreja. Mas, vendo que ainda havia pano para mangas vai daí ditaram os pecados mortais, os veniais e outros que tais como os pecados contra o Divino Espírito Santo que a maioria das pessoas até desconhece.
É muito difícil andar na Tua graça Senhor.
                                                                                                                                    São Fiel
                                                                                                                    Victor Serra      
Conde da gardunha


                                                                                                

sexta-feira, 3 de junho de 2016

A INTERNET


A INTERNET        
      Durante todos estes anos consecutivos que vagueio pela Internet, (salvo o ano passado que estive ausente meio forçado, meio deliberado), não foi difícil chegar à conclusão do seguinte: A Internet proporcionou a democratização do disparate; basta navegar pelas notícias on-line e ler os comentários publicados por críticos atentos e venerandos  para nos apercebermos que de facto a democratização do disparate  está sem apelo nem agravo institucionalizado.
      Muitos likes numa publicação é, para alguns, sinal do nascimento de um génio mesmo que seja useiro e vezeiro na asneira do “devia de”.
      Um conhecido apresentador de um dos canais com maior audiência  disse há poucos dias, no seu programa, com cara de pessoa púdica e entendida que o Facebook era uma latrina. Não concordo em absoluto com tal afirmação. Que há opinantes e “críticos” empregando termos cloacais, é verdade e, alguns por léxico diminuto, empregam as palavras mais impróprias e até lesivas que se os visados tivessem conhecimento podia sair-lhes bastante caro. Dizem nas redes sociais o que não diriam de cara a cara. Mas não podemos como em tudo generalizar.
      Mas a Internet tem muito mais que se lhe diga: todos os dias aparecem  novos sites  dos mais diversos teores. Uns perduram durante anos chegando a idades provectas ao passo que outros têm uma vida efémera. Tenho observado que entre os duradouros estão os que versam a poesia e de vez em quando lá aparece mais um e o respectivo pedido para aderirmos. Também eu já fui membro dessas confrarias sem que delas tirasse qualquer valia. De repente todo o mundo desatou em ser poeta como se o fosse quem quisesse. A versalhada, chovia em catadupa e tão medíocre era que a desesperação abarcava-me,  era a desistência! Para me purgar de tal efeito nefasto tinha que me escudar nos meus velhos conhecidos: o baixinho Junqueiro, o bondoso João de Deus, ao santo Antero (como lhe chamava o Eça) ou até ao Eugénio de Castro e reler aquele lindo poema que fez ao seu anel. É de génio. Não necessito por isso de luras de acolhimento.
      Enfim, a grande maioria dos poetas da net publicam com desfaçatez resmas de escritos a que chamam poesias  e que serve somente para azucrinarem o juízo dos desprevenidos.
      Em vez de maus artesãos melhor andariam se se tornassem bons clientes  de quem sabe da arte.
      E para os poetastros e só para eles REBIMBA O MALHO 

                                                                                                            São Fiel, 3 de Junho de 2016
CONDE DA GARDUNHA
                                                                                                              
                                                                                          

sexta-feira, 28 de março de 2014

O SUICÍDIO DA ESCRITA

O SUICÍDIO DA ESCRITA

Muitos foram os suicidados da literatura como Séneca, Virgínia Woolf ou Hemingway. Afirmava Jacques Brochier: - Com a morte é banalidade. Porém, com o suicídio, acontece aliado ao desgosto a liberdade. 
A esta filosofia não foram alheios os autores portugueses como Mário de Sá-Carneiro que se envenena num quarto em Paris, Camilo Castelo Branco com um tiro de pistola ou Antero de Quental que, igualmente como Camilo se suicida com um tiro na cabeça num banco de jardim.
Não foram suicídios românticos mas, suicídios de almas atormentadas. Não eram seres banais e comuns,  que estes,  agarram-se à vida incapazes de cortarem amarras dominados pelo instinto da sobrevivência capazes de arrastarem penosamente o sofrimento, sublimados no querer viver a tudo o custo.
Só os melhores, os iluminados, abolem  e dominam a banalidade e de num acto de vontade, sacrificam livremente a sua própria vida. Só o homem superior vive quanto deve e não quanto pode.
Goethe, para sublimar o seu próprio suicídio escreveu: O suicídio é o meu herói!
Antero de Quental nasceu em 1842 na Ilha dos Açores na cidade de Ponta delgada e foi o principal mentor da "Geração de 70" que faziam parte também Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro, Eça de Queirós Conde de Sabugosa, Conde de Ficalho entre outros. Mais tarde, este grupo passou por várias vicissitudes e passou a dominar-se: "Os Vencidos da Vida".
Antero, a quem Eça chamava "O Santo Antero", desde muito cedo na sua escrita começa a reflectir-se, a Solidão, como ilustram bem estes dois versos: "Só busco o teu encontro e o teu abraço / Morte, irmã do Amor e da Verdade".
Sente-se só entre a multidão e que porventura, influenciado pelas ideias politicas e filosóficas da sua época,  leva-o a interrogar-se sobre o destino da sua vida.
Deambula entre consultórios médicos à procura de uma cura para a sua doença quiçá mais imaginária do que real. Atravessa um período doloroso e, pergunta-se muitas vezes "para que vim ao mundo".
Oscilando entre a depressão e a actividade, leva-o a tentar uma acção colectiva que por emergir solitário se refugia em Vida do Conde.
Resolve mais tarde regressar à sua Ilha onde espera acabar na "paz vegetal da terra-mãe". A família não o recebe como esperava e de novo vem a angústia e a depressão.
Antero veste-se de preto, compra uma pistola, faz a última visita a alguns amigos e, sentado num jardim de costas para uma parede onde estava escrita a palavra:- Esperança", desfecha o tiro fatal.
O suicídio de Antero acontece pela ruptura de equilíbrio. Diz ele:- Que é o mundo ante mim? Fumo ondeando visões sem ser, fragmentos de existências... Uma névoa de enganos e impotências sobre vácuo insondável rastejando.
Bonito... Digo eu!
Camilo Castelo Branco que poderia ter por cognome o desventurado por via da sua existência atribulada. Nasceu em Lisboa no ano de 1825.
Devido às contingências da sua vida fê-lo um homem desiludido e amargo, apenas sustentado pelo seu trabalho que era o bordão da sua peregrinação por este mundo.
Homem de amores trágicos como o amor desmedido pela Maria do Adro. Por estar ausente da terra, só soube da sua morte meses depois. Cavalgou dia e noite acicatando as montadas que as revezou pelo caminho. Chegado, correu para a capela onde repousava a sua amada e deitou-se na sepultura com as lágrimas a correrem-lhe pela face transfigurada. Com a conivência de um tio médico a meio da noite desenterraram o cadáver. Camilo viu assim pela última vez o rosto já em decomposição daquela que tinha sido para ele o amor da sua vida.
A mulher que teve depois e que pela qual esteve na prisão, já não a podia suportar. O ferrete do destino adverso está-lhe cravado na alma.
Camilo vai de desgosto em desgosto, de sofrimento em sofrimento, já não sabe o que fazer com o seu filho doido e, a cegueira aproxima-se.
Assim, desesperançado, prevendo o gesto libertador escreve em 22 de Novembro de 1886 um documento que impressiona:
“A minha vida foi tão extraordinariamente infeliz que não podia acabar como a maioria dos desgraçados. Quando se ler este papel, eu estarei gozando a minha primeira hora de repouso. Não deixo nada. Deixo um exemplo”.
Numa carta dirigida ao Dr. Edmundo Magalhães Machado de quem ouvira boas referências numa derradeira tentativa de procurar algo para a cegueira escreve:
“ Sou o cadáver representante de um nome que teve alguma reputação gloriosa neste país, durante quarenta anos de trabalho. Chamo-me Camilo Castelo Branco e estou cego.”
Porém, a sorte estava já delineada, calmo e sereno Camilo sacou do revólver e disparou sobre o parietal direito. A sua vida já não fazia qualquer sentido para continuação da sua obra.
Nasce em 1890 Mário Sá-Carneiro. No livro “Confissões de Lúcio” escreveu:
“Depois, não me saciam apenas as coisas que possuo, aborrecem-me também as que não tenho, porque, na vida como nos sonhos, são sempre as mesmas. …………….. Gastar o tempo é hoje o único fim da minha existência. Sou um inconstante! Quem tiver a vontade de ler a sua obra, verificará que a mania do suicídio é uma obsessão.
Mário Sá-Carneiro é uma pessoa de uma sensibilidade extrema e doentia. Nasceu não para viver mas para suportar a vida. È uma criatura à parte.
Nas últimas horas, fala de si com desprezo, cinismo mas, também com altivez rejeitando a humanidade, transcende-se a si mesmo.
Fecha-se no seu quarto de Paris, veste o smoking e parte para a viagem derradeira.



CONDE DA GARDUNHA

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

EFEMÉRIDE

EFEMÉRIDE

Manuel Maria da Silva, poeta, escritor e jornalista nasceu na Murtosa no dia 22 de Fevereiro de 1911 há portanto 103 anos.
Trabalhou nos escritórios das Minas da Panasqueira de 1947 a Julho de 1962. Morou na Panasqueira e posteriormente na Barroca Grande granjeando simpatia por parte das pessoas pois era uma pessoa gentil e com talento reconhecido.
Sob o pseudónimo de Lúcio do Vouga publicou alguns livros quer em prosa quer em poesia. Num jornal regional publicou o seguinte soneto onde ele mostra a sua modéstia:

ACANHAMENTO (AUTO-FOTO...)

Tive uma vida literária breve
Seis livros publicados, pouco mais...
Uma vida que, em fortes vendavais,
Me coroou de mágoas e de neve...

Em tudo quanto fiz fui fraco e leve,
Sempre andei por espaços siderais...
Em folhetos, revistas e jornais
Se perdeu o que a minha musa teve.

Raro vi para mim a mão estendida
No modo franco e doce de uma ajuda,
Que muito representa numa vida...

À espera de um alguém ninguém se iluda.
Pois quando julga ser-lhe a voz ouvida
A boca não diz nada - fica muda.

Conheci muito bem este senhor e, até certa vez, muito acanhado, mostrei-lhe um trabalho meu, uma poesia. Pegou no papel, reparei que conferia a métrica e a rima e, com um lápis, fez uma emenda. Aguardei com ansiedade que me devolvesse a folha para ver o que tinha escrito. Tinha trocado a palavra "toca" por "tange" - o sino-. Colocou uma mão em cima do meu ombro e disse: - não há mais emendas a fazer, continue e escreva sempre até apanhar o ritmo. Fiquei radiante na altura mas, não segui o seu conselho.
Lúcio do Vouga enquanto morou na Panasqueira contemplava a Serra da Estrela e percorreu-a  de lés a lés. eis um soneto datado de Agosto de 1949 onde canta as belezas da nossa Serra Maior.

NAVE DE SANTO ANTÓNIO

"Nave de Santo António!" Os "Cântaros" na serra!
Deslumbrante Painel que à minha Frente avisto.
Grandiosidade! Cor! Eu olho e julgo que isto
É bem o paraíso da fulgurar na Terra!

Quietude, solidão, um véu que se descerra
E tem na mutação da cena o imprevisto!
E deslumbrado, paro! E fascinado assisto
Ao nimbo redentor que a Paz de si descerra.

A brisa delicada afaga o caminhante.
E a fonte que eu escuto, em límpido cantar,
É hino que se eleva aos astros, delirante!

"Nave de Santo António"! És o formoso altar
Da serra onde contemplo, agora, triunfante,
O quadro que me faz adormecer, sonhar...

Lúcio do Vouga tem mais sonetos sobre esta Serra que o encantava e inspirava. Porém, para encerrar esta evocação transcrevo um soneto quiçá o último que escreveu.

QUE SOU?

Cheguei a velho, percorri a vida
Cada vez a subir e a cansar mais.
Entre beijos e gritos soltei ais
E tudo foi em vão nessa corrida!

Daquilo que alcancei sinto banida
A sorte a provocar-me vendavais.
E se tentei reagir tive as brutais
Decepções que se encontram na descida.

Quanta vez me interrogo e me desfaço
Nas respostas que dou ao que sou eu
No longo pensamento em que me traço!

- Sou Luz de alguma estrela que morreu
E se encontra perdida pelo espaço
Á procura da vida que perdeu!

Lúcio do Vouga faleceu em Valongo-Mafra em 22 de Novembro de 1989.
Das pessoas que hoje vivem na Panasqueira ou na Barroca Grande, possivelmente ninguém se lembrará deste homem da cultura ou sequer ouviu falar dele o que é natural pois muitos anos já passaram.
Lembrei-me de fazer este humilde tributo em memória de alguém que de certa forma engrandeceu ainda mais as Minas e com elas os mineiros.



Conde da Gardunha

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

DEPRESSO


DEPRESSO
São quase 17 horas. Olho através da vidraça e tudo é triste. O céu, está carregado cor de chumbo. Não descortino a serra, por via do nevoeiro que escorrendo-a vai tomando conta do povoado. A chuva miudinha não pára. O frio entranha-se nos corpos daqueles que por mister são obrigados a andar fora de casa. Os gigantes plátanos que distam de mim poucos metros em linha recta, despiram-se, desapareceu a luxúria verde das suas folhas que jazem agora esquecidas no chão. Na sala, onde escrevo, está na meia penumbra tendo como única luz a do candeeiro da secretária. O relógio como plangendo bate agora a meia hora. São 17 horas e trinta minutos.

              A Natureza repousa na sua morte que ressuscitará daqui a uns meses. Sinto-me como ela, faço parte dela.

              Neste lugar, onde me encontro, o silêncio nesta altura é quase sepulcral. Ouvem-se somente lá longe, o ladrar descontente dos cães que por missão guardam as quintas. É o nada no meio do nada.

              Desde algum tempo que vejo com angústia o aproximar da noite… E ela chega tão cedo!

O meu refúgio é a leitura ou olhando enfastiado o caracolear do fumo do meu cigarro e, quando me apetece, escrever, escrever banalidades mas que, valha-me ao menos isso, há sempre alguém a dizer que gosta. Ainda bem!

A noite é já cerrada e o que aproveitei deste dia? Talvez menos que um cenobita que este, dentro do seu convento, tem obrigações a cumprir.

Quando de manhã desço à freguesia para tomar café (podia tomá-lo em casa), por companhia tenho a dona do café ou algum cliente esporádico que na maior parte das vezes nem conheço. Sinto a falta dos anciãos com quem no Verão convivo e contam-me as suas histórias que são na maior parte, histórias picarescas. Até estes amigos, devido à idade provecta evitam sair de casa com receio de os invadir alguma maleita.

O meu cão, deitado aos meus pés, olha-me com meiguice parecendo até adivinhar o meu estado de espírito, ou então interrogar-me para quando o bom tempo, para poder correr desenfreado, pela terra fora como é seu hábito. Esse tempo virá, mas primeiro teremos que aguardar que a Natureza saia deste coma induzido.



CONDE DA GARDUNHA

domingo, 5 de janeiro de 2014

O PRESÉPIO


O PRESÉPIO
O presépio é um vocábulo de origem hebraica e etimologicamente significa local onde se recolhem os animais ou seja, estábulo.
O presépio tem a sua história, e sabe-se a data precisa em que pela primeira vez foi encenado. O seu autor foi São Francisco de Assis com o consentimento do papa Honório III. Festejava-se o nascimento do Deus Menino na noite de Natal do ano 1223.

Aconteceu em Itália no bosque de Gréccio propriedade de João de Velita, amigo e fiel seguidor de São Francisco. Tudo foi preparado coo o Santo imaginara. Armou-se um altar para a celebração da missa e, numa gruta, colocaram uma manjedoura atapetada com palha. A ladeá-la, um jumento e uma vaca. Nada mais! O objectivo era que cada um dos presentes imaginasse o resto do quadro.

Foram convidadas as pessoas dos arredores,
bem como os frades dos vários conventos afim de assistirem à Eucaristia da meia-noite.
A noite estava escura. As gentes apareciam de todos os lados acudindo ao   bosque de Gréccio empunhando archotes e luminárias. Foi de facto uma noite diferente. Houve missa solene oficiada pelo Cardeal Ugolino. São Francisco leu o Evangelho e pregou ao povo sobre o nascimento de Jesus.

João de Velita, senhor do bosque, afirma ter visto um menino acariciando e afagando o Santo.
Conta-se que depois da cerimónia, todos os presentes levaram para suas casas pedaços da palha que estivera na manjedoura que segundo alguns tinha poderes milagrosos.
Também, segundo a tradição, as tábuas que serviram de manjedoura, conservam-se num relicário de prata exposta à veneração dos fiéis na Basílica de Santa Maria Maior em Roma.

A título de informação direi que na gruta de Belém onde jesus nasceu, foi construída uma magnifica igreja mandada construir por Santa Helena no ano de 326. No chão a assinalar o presépio está uma estrela de prata com a seguinte inscrição

 AQUI NASCEU JESUS CRISTO DA
VIRGEM MARIA



CONDE DA GARDUNHA

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

ANO VELHO VS. ANO NOVO

Ano Velho vs. Ano Novo
 O dia está feio: frio, nevoeiro e com chuviscos. O Dezembro reboca o ano de 2013, expirando ambos com má catadura e a contra gosto.

 Neste momento a casa está vazia. Almoço sozinho por opção. Sentado ao meu lado, o Ricky meu companheiro, espera uma guloseima extra ração que contra a minha vontade não lhe dou, por imposição do veterinário.

 No café onde vou todas as manhãs, tive uma companhia cuja amizade é recente, mas tenho-a como boa. Conversámos sobre diversos temas desde livros até à música. É uma pessoa interessada e que me vai explorando do que pouco que sei, mas que transmito com todo o prazer.

 Brindámos ao novo ano com um Porto. Brindei por delicadeza já que não sou de dar vivas ao que seja, por morte do que for.

Parece que todos estão desejosos que o ano velho se vá; faz-me lembrar dos que também assim pensam em relação aos seus parentes idosos.

 Neste ano, todos sabemos como o passámos, para o que vem é uma incógnita, não para os astrólogos e afins que esses têm o dom divinatório. Quantos dos que querem ver-se livre deste que agoniza, chegarão a dar vivas ao 2015? Eu, como um ser diferente dos demais, não me regozijo e por isso não festejo. Morrer o ano é também morrermos um pouco.

Nesta noite, a última do ano, a alegria vai extravasar – alguma, quiçá, fingida, mas importa enterrar o defunto e festejar o nado. As bebidas entornam-se goelas abaixo sem conta nem medida, empanturram-se até aos gorgomilos, os gritos de boas vindas estridem, todos os sítios estão esgotados e, alguns a preços exorbitantes e eu ser canhestro, interrogo-me por onde anda a tão propalada crise que de tanto se falar dela nos põe depressivos.

A grande maioria não estará de acordo mas, quando comecei esta crónica, não foi com o intuito de granjear aplausos e vivórios, pois sei que não vai ao encontro das opiniões de quem, por hábito, nesta altura, faz os seus festejos, foi somente, para expressar a minha opinião que não terá eco e que vale por si somente.




Conde da Gardunha

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

AS VICISSITUDES DO CATOLICISMO


AS VICISSITUDES DO CATOLICISMO

Como católico, não posso nem devo ficar indiferente aos constantes escândalos provocados pelos chamados ministros de Deus. Com demasiada frequência, a Comunicação Social dá-nos conta dos delitos que se vão cometendo e todos de cariz sexual. São crimes que se adicionam a outros que a igreja vem acumulando através dos séculos. Lembremo-nos das Cruzadas e da Inquisição que até foi canonizada e por isso lhe chamaram santa ―a Santa Inquisição.

O catolicismo está repleto de crimes e é com mágoa que o digo. Quantas vidas ceifadas, quantos martírios infligidos a povos com outras crenças? Os responsáveis pela evangelização não se limitavam a divulgar a palavra de Cristo que devia ser com bonomia, com paciência e convicção conforme os exemplos que o Redentor nos deixou, sem recorrer a métodos completamente antíteses aos que o Salvador ensinou.

Retrocedendo aos séculos VIII e IX era prática comum as forças castrenses entrarem nas povoações espalhando o terror matando e mutilando os não convertidos a Roma, abrindo assim, caminho aos que vinham na retaguarda ―o clero ― que, perante o resto do povo, aterrado, os obrigava pelo medo a aceitar a nova doutrina.

Seria esta a maneira mais correcta de pregar a Palavra? Seria este o procedimento mais condicente, para uma conversão em plena razão? Não deviam deixar que cada qual escolhesse a religião em que mais acreditasse e onde se sentisse melhor?

Depois, já quase na contemporaneidade, apareceu a famigerada, a vergonhosa, a nódoa negra do catolicismo: a verduga "Santa Inquisição". Se houvesse o Inferno tão propalado pela Igreja desde há séculos com que aterrorizam os fiéis com a ameaça de as almas serem consumidas pelo fogo― sem no entanto se consumirem―e que são acicatadas por anjos demoníacos. Se assim fosse, eles os do “santo” Oficio, deviam por lá cirandar principalmente a alma do sicário padre Torquemada, o mais acérrimo defensor desta barbárie. Outros igualmente, os que tinham responsabilidades e que podiam refrear essa crueldade. Toda esta corja por lá deve andar a carpir todos os males que infligiram à humanidade.

A Inquisição foi implantada definitivamente em Portugal no ano de 1536 no pontificado de Paulo III que detinha amplos poderes e no ano 1540 houve o primeiro auto-de-fé. Contam-se por centenas de milhares de pessoas vítimas das torturas e mortas nos países onde as fogueiras se erguiam.

Mas, o assunto que me levou hoje a escrever esta crónica, não é propriamente fazer a história da Inquisição, mas sobre o celibato. Todos sabemos que a pedofilia grassa na igreja católica. Não confundamos com homosexualidade. Não venham dizer que é a mesma coisa, são procedimentos distintos. Fiquei com a boca em "Ó" de pasmo quando ouvi um alto dignitário da igreja católica misturar e meter tudo no mesmo saco. Quando nos sentimos comprometidos, inventamos as coisas mais bizarras.

A pedofilia, segundo me parece e, é somente uma opinião, podia, porventura, não ser erradicada, mas com certeza, seria em muito atenuada, com o fim do celibato do clero. O celibato andou a ser discutido em vários Concílios. Foi no entanto instituído definitivamente em 1563 no Concílio de Trento convocado pelo papa Paulo III Porém, se a Igreja pretende seguir o exemplo dos apóstolos, cabe aqui perguntar: - Não seriam os apóstolos casados? Não teriam eles uma família? Pedro não era casado? Não foram casados os papas Adriano II e Honório IV? Então por que não outro Cocílio que revogue o disposto no anterior anulando o celibato? Aquando do Concílio Vaticano II viu-se a debandada de padres renunciando os seus votos e casarem.

Quer a Igreja conservar as paróquias em vez de, como já li, eliminar umas quantas? A solução para colmatar o défice de prelados é instituir o casamento; tão simples como isto.

É preferível que leigos de moral duvidosa em muitos casos e sem preparação substituam os verdadeiros ministros de Deus? É por tudo isto que não é para admirar que as cerimónias religiosas tenham cada vez menos participantes.

Gostaria que um dia fosse escolhido um Papa, não idoso, e que tivesse a coragem de abrir as janelas e portas do Vaticano, para que os ares bafientos dessem lugar a outros mais puros c/ cheiros de modernidade e que todos cantassem aleluias porque só assim a igreja terá a força de que necessita e evitar que vá mirrando evitando que milhares de crentes desertem, para outras religiões.
E por todas as situações condenáveis ergo os braços e REBIMBA O MALHO



Conde da Gardunha

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

A MISSA DO GALO

A MISSA DO GALO

A Proveniência do nome Missa do Galo, não se sabe ao certo de onde vem. Há opiniões que divergem embora convergindo num ponto: O galináceo está sempre presente em todas as teses.
Existe uma lenda que nos conta que numa véspera de Natal, o galo cantou à meia-noite anunciando o nascimento do Menino Jesus. Outra fonte diz-nos que a missa terminava bastante tarde e os fieis quando regressavam a casa, os galos já cantavam.
Outros dizem que o nome teve origem por Jesus ser considerado o sol nascente e que nos visitou para dar luz à escuridão. Por isso é que em muitas igrejas têm ainda um galo nos campanários representado a luz Divina. O galo caracteriza o nascer do sol e, o seu canto simboliza o amanhecer ou a luz. Sabe-se todavia, que esta missa celebrou-se pela primeira vez no ano 300.

Gostei sempre de assistir a esta missa talvez pela hora que é celebrada ou talvez pela magia daquela noite maior.
A Missa do Galo era, naquele tempo, fértil em peripécias, tornava-se mesmo difícil conter o riso por serem tão caricatas. Não se tratava de cenas maldosas nem carecidas de respeito. Se aconteciam, a culpa era da alegria transbordando dos corações estimulada porventura pela bebida ingerida à volta da fogueira.
Do que estava sempre à espera, era dos cânticos em louvor ao Menino. Enquanto as fieis devotas chegavam ao fim do cântico no tempo devido, os fiéis devotos iam só pelo meio. O hino saía numa cadência lenta e arrastado embalado quiçá em hálitos etílicos. Os outros participantes esperavam pacientemente que a última voz penosamente chegasse ao fim com reprovação estampada na cara do prior.
O que de facto tinha maior relevância era que todos louvavam e festejavam o nascimento de Jesus, fosse em compasso binário ou quaternário.
Nesta missa, é hábito dar a beijar a imagem do Menino e, eu, menino de Capela-Mor, ia observando todo o cerimonial. Os fiéis subiam pela coxia central e desciam pelas laterais. Enquanto uns beijavam sem tocar na imagem, outras porém, principalmente os mais idosos que de lábios arrepanhados beijavam ali mesmo de chapa aquele corpinho róseo que era um regalo. Beijo molhado e sonoro como a querer mostrar ao Redentor o quanto gostavam Dele.
Depois do “IDE EM PAZ E QUE O SENHOR VOS ACOMPANHE” que na altura era dito em latim, os homens agrupavam-se de novo em volta do brasido até começarem a debandar para as suas casas onde para alguns, os esperava a ceia. A Ceia de Natal ou Consoada. Importava fazer jus aos pitéus tradicionais desta festa que as mulheres incansáveis tinham confeccionado.
Outros havia, os menos afortunados, que quando ultrapassavam a porta da sua casa metiam-se na cama entre lençóis húmidos e frios. Em vez da consoada uma lágrima escorria pelo rosto.


Conde da Gardunha