O
SUICÍDIO DA ESCRITA
Muitos foram os suicidados da literatura como Séneca, Virgínia Woolf
ou Hemingway. Afirmava Jacques Brochier: - Com a morte é banalidade. Porém, com
o suicídio, acontece aliado ao desgosto a liberdade.
A esta filosofia não foram alheios os autores portugueses
como Mário de Sá-Carneiro que se envenena num quarto em Paris, Camilo Castelo
Branco com um tiro de pistola ou Antero de Quental que, igualmente como Camilo
se suicida com um tiro na cabeça num banco de jardim.
Não foram suicídios românticos mas, suicídios de
almas atormentadas. Não eram seres banais e comuns, que estes,
agarram-se à vida incapazes de cortarem amarras dominados pelo
instinto da sobrevivência capazes de arrastarem penosamente o sofrimento, sublimados
no querer viver a tudo o custo.
Só os melhores, os iluminados, abolem e dominam a
banalidade e de num acto de vontade, sacrificam livremente a sua própria vida.
Só o homem superior vive quanto deve e não quanto pode.
Goethe, para sublimar o seu
próprio suicídio escreveu: O suicídio é o meu herói!
Antero de Quental nasceu em 1842 na Ilha dos Açores na
cidade de Ponta delgada e foi o principal mentor da "Geração de 70"
que faziam parte também Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro, Eça de Queirós Conde
de Sabugosa, Conde de Ficalho entre outros. Mais tarde, este grupo passou por
várias vicissitudes e passou a dominar-se: "Os Vencidos da Vida".
Antero, a quem Eça chamava "O Santo Antero", desde
muito cedo na sua escrita começa a reflectir-se, a Solidão, como ilustram bem
estes dois versos: "Só busco o teu encontro e o teu abraço / Morte, irmã
do Amor e da Verdade".
Sente-se só entre a multidão e que porventura, influenciado
pelas ideias politicas e filosóficas da sua época, leva-o a
interrogar-se sobre o destino da sua vida.
Deambula entre consultórios médicos à procura de uma
cura para a sua doença quiçá mais imaginária do que real. Atravessa um
período doloroso e, pergunta-se muitas vezes "para que vim ao mundo".
Oscilando entre a depressão e a actividade, leva-o a tentar
uma acção colectiva que por emergir solitário se refugia em Vida do Conde.
Resolve mais tarde regressar à sua Ilha onde espera acabar
na "paz vegetal da terra-mãe". A família não o recebe como esperava e
de novo vem a angústia e a depressão.
Antero veste-se de preto, compra uma pistola, faz a última
visita a alguns amigos e, sentado num jardim de costas para uma parede onde estava
escrita a palavra:- Esperança", desfecha o tiro fatal.
O suicídio de Antero acontece pela ruptura de equilíbrio.
Diz ele:- Que é o mundo ante mim? Fumo ondeando visões sem ser, fragmentos de
existências... Uma névoa de enganos e impotências sobre vácuo insondável
rastejando.
Bonito... Digo eu!
Camilo Castelo Branco que poderia ter por cognome o
desventurado por via da sua existência atribulada. Nasceu em Lisboa no ano de 1825.
Devido às contingências da sua vida fê-lo um homem desiludido
e amargo, apenas sustentado pelo seu trabalho que era o bordão da sua
peregrinação por este mundo.
Homem de amores trágicos como o amor desmedido pela Maria do
Adro. Por estar ausente da terra, só soube da sua morte meses depois. Cavalgou
dia e noite acicatando as montadas que as revezou pelo caminho. Chegado, correu
para a capela onde repousava a sua amada e deitou-se na sepultura com as lágrimas
a correrem-lhe pela face transfigurada. Com a conivência de um tio médico a
meio da noite desenterraram o cadáver. Camilo viu assim pela última vez o rosto
já em decomposição daquela que tinha sido para ele o amor da sua vida.
A mulher que teve depois e que pela qual esteve na prisão, já
não a podia suportar. O ferrete do destino adverso está-lhe cravado na alma.
Camilo vai de desgosto em desgosto, de sofrimento em
sofrimento, já não sabe o que fazer com o seu filho doido e, a cegueira
aproxima-se.
Assim, desesperançado, prevendo o gesto libertador escreve
em 22 de Novembro de 1886 um documento que impressiona:
“A minha vida foi tão extraordinariamente infeliz que não
podia acabar como a maioria dos desgraçados. Quando se ler este papel, eu
estarei gozando a minha primeira hora de repouso. Não deixo nada. Deixo um
exemplo”.
Numa carta dirigida ao Dr. Edmundo Magalhães Machado de quem
ouvira boas referências numa derradeira tentativa de procurar algo para a cegueira
escreve:
“ Sou o cadáver representante de um nome que teve alguma
reputação gloriosa neste país, durante quarenta anos de trabalho. Chamo-me
Camilo Castelo Branco e estou cego.”
Porém, a sorte estava já delineada, calmo e sereno Camilo
sacou do revólver e disparou sobre o parietal direito. A sua vida já não fazia
qualquer sentido para continuação da sua obra.
“Depois, não me saciam apenas as coisas que possuo,
aborrecem-me também as que não tenho, porque, na vida como nos sonhos, são
sempre as mesmas. …………….. Gastar o tempo é hoje o único fim da minha
existência. Sou um inconstante! Quem tiver a vontade de ler a sua obra, verificará
que a mania do suicídio é uma obsessão.
Mário Sá-Carneiro é uma pessoa de uma sensibilidade extrema
e doentia. Nasceu não para viver mas para suportar a vida. È uma criatura à
parte.
Nas últimas horas, fala de si com desprezo, cinismo mas,
também com altivez rejeitando a humanidade, transcende-se a si mesmo.
Fecha-se no seu quarto de Paris, veste o smoking e parte
para a viagem derradeira.CONDE DA GARDUNHA
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