REBIMBA O MALHO

REBIMBA O MALHO

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O NATAL

O NATAL



(EXCERTO EXTRAÍDO DE UM OPÚSCULO QUE ESCREVI HÁ MUITO)


O Madeiro ou Tronco também assim chamado, é trazido pelo rapazio num carro puxado por uma junta de bovídeos. Também aqui houve já uma mudança graças à evolução. Hoje os pachorrentos e simpáticos animais, foram substituídos pelo tractor que com o seu atrelado lá chega ao adro da igreja com menos demora mas, também com menos poesia.
A tradição manda que o tronco seja roubado e que se o dono tiver alguma desconfiança, finja que nada sabe e facilite a vida aos rapazes que se preparam para lhe subtrair algo que servirá para aquecer aquela noite que também por tradição deve ser fria de bater o tarau e o ambiente ficará completo, se alguns farrapos de neve esvoaçarem no espaço. Deus dê muita saúde e vida a quem já teve esse privilégio.
Muito antes da meia-noite, já as pessoas começam a abandonar os seus lares com destino ao adro da igreja onde se encontra o madeiro. Vêm encapotadas, golas bem puxadas para cima enquanto as boinas ou chapéus bem chegados para as orelhas. As mãos, quando não estão bem no fundo dos bolsos, friccionam-se uma na outra ou bafejam-se para que os dedos não fiquem encaramelados. Os narizes por via de regra, estão vermelhos devido ao ar gélido que os fustiga. O pingo que teima em aparecer, logo desaparece numa fungadela e então é o aparece e desaparece até que, acaba por morrer nas costas da mão.
O povo vai chegando e vai ficando em redor do madeiro já esbraseado. O adro está enrubescido pelas línguas de fogo que numa dança voluptuosa, vão lambendo como a querer acariciar e, aos poucos, vão tomando posse do madeiro.
Enquanto os olhares estão presos naquele bailar das chamas acompanhadas de vez em quando de miríades de faúlhas, esticam-se os braços e aquecem-se as mãos ao mesmo tempo que batem os pés no lajedo ou no chão térreo.
Depois vem a dança da garrafa da aguardente que rodopia de mão em mão, ou para melhor dizer, de boca em boca e, no final de cada emborcação, segue-se sempre um aaahhhh!!!!  ou um estalido com a língua que ela é da rija.
Os corpos vão estando com boa temperatura tanto por dentro como por fora. As conversas animam-se, a risada fácil aparece e não tarda que alguém comece a cantar bem alto loas ao Deus Menino, logo seguido por todos    
                 
                 Alegrem-se os Céus e a terra
                 Cantemos com alegria
                 Já nasceu o Deus Menino
                 Filho da Virgem Maria

                 Ó meu Menino Jesus                
                 Ó meu menino tão belo          
                 Logo vieste nascer
                 Na noite do caramelo.                   

Entretanto a meia-noite chegou e o sino da igreja faz o convite para a Santa Missa, chamada a Missa do Galo, que a maior parte das pessoas se apressam a participar.
Gostei sempre de estar presente nessa Missa talvez por ser celebrada àquela hora ou simplesmente pela magia daquela noite.
A Missa do Galo era fértil em peripécias, era mesmo difícil conter o riso em certos momentos. Não eram cenas maldosas nem carecidas de respeito, se elas aconteciam, a culpa era da alegria contida nos corações estimulada porventura pela bebida ingerida à volta da fogueira. Contudo, se havia alguém mais sisudo e fizesse o respectivo reparo, imediatamente o prevaricador afivelava o rosto com o ar mais seráfico possível o que dava azo a uma maior vontade de rir.
Do que estava sempre à espera, era dos cânticos em louvor ao Menino. Enquanto as fieis devotas chegavam ao fim do cântico em tempo devido, outros fiéis devotos iam ainda aí pelo meio. O hino saía numa cadência lenta embalado em hálitos etílicos e o resto do pessoal, pacientemente, esperava que a última voz penosamente chegasse ao final.
O que de facto tinha maior relevância era que todos louvavam e festejavam o nascimento de Jesus, fosse em compasso binário ou quaternário.
Nesta Missa por hábito, dá-se a beijar a imagem de Jesus e eu, menino de Capela-mor, ia observando todo aquele cerimonial. Os fiéis subiam pela coxia central e desciam pelas laterais. Enquanto uns beijavam a uns centímetros da imagem, havia no entanto outros principalmente os mais idosos que de lábios arrepanhados pela ausência dos dentes, beijavam ali mesmo, de chapa, aquele corpinho róseo que era um regalo. Saía um beijo sonoro como a quererem mostrar ao Redentor o quanto gostavam Dele.
Depois de ouvida a missa, agrupavam-se de novo em redor do brasido em franco e alegre convívio.
Na maioria dos lares a ceia estava à espera. Era a consoada. Importava pois fazer jus ao trabalho das mulheres que não se poupavam em confeccionar os pitéus tradicionais desta festa.


(CONTINUA)


CONDE DA GARDUNHA          

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